sábado, 18 de outubro de 2014

Bom é café coado devagar






Pequena frustração matinal... arrumei a mesa do café, cortei o mamão, pus as fatias de pão na torradeira, preparei o café na cafeteira e me pus à mesa pra apreciar um gostoso café da manhã embalado pela música suave, em baixo volume que dá bons fluidos a esta manhã.Depois de uns minutos senti falta do aroma do café fresquinho, olhei pra pia e a cafeteira lá estava, muda, inerte.Virei, refiz a arrumação, mudei de tomada e nada.Nem sinal de vida. E agora? Meu cafezinho?Procurei no armário e achei ainda embaladinho o velho e salvador saquinho de feltro.Pronto, minha manhã estava garantida. Retomei a prática do café coado com a mesma habilidade que vi minha avó cumpri-la por manhãs a fio e pude enfim degustar deste prazer especial. 

Não é de hoje que ouço e vivo a constatação de que todos os eletrodomésticos são descartáveis, bem diferentes daqueles dos tempos de nossas mães e avós que tinham uma longa vida útil. Claro, que não espero que os de hoje se igualem, mas poderiam ser mais resistentes, virem com uma durabilidade confiável, afinal fazem parte da novíssima geração de maravilhas eletrônicas que nos prometem mundos e fundos em praticidades e economia de tempo. Huuum!

Nem tudo que se anuncia como verdade, o é, vocês sabem!Vivemos em tempos corridos, disparados em instantes esmagados entre um dizer, um fazer, um amuo e um sorriso e logo nos vemos no instante seguinte em outros afazeres e talvez muitos dizeres.Há um manancial de palavras, ditas e escritas, mas pouco vivenciadas, principalmente nas relações interpessoais. Estamos nos habituando a conversarmos com os dedos e perdendo a capacidade do diálogo.Isto é sério. Ontem, aqui em casa duas jovens não despregavam os olhos dos celulares e a todo instante tinham algo para teclar, porém mal se olhavam e, com relação a nós, os adultos, nem preciso contar como procediam,não é? Apesar dessas grosseiras comparações entre coisas e pessoas, movidas pelo constante sentimento de frugalidade que me faz divagar,peço licença poética. 

Nesses "tempos líquidos", como aponta Bauman, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos, feito água.Uma das certezas da vida é sua inerente incerteza que ganhou contornos ásperos no que se refere aos relacionamentos humanos cada vez mais instáveis, flexíveis, impacientes.Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo ( sic),e se apresentarem defeito, descarta-se e pronto.Daí é correr pra "loja" e comprar um modelo novo, versão moderna.

O que ainda nos salva da obsolescência prematura é o amor parental, a família, nossa base, chão e céu, raro espaço de aconchego e carinho a nos alimentar o amor- generoso, o amor- real, o amor-próprio, vitais nutrientes para uma vida com algumas certezas.


*****


Zygmunt Bauman, sociólogo polonês,é um dos intelectuais mais respeitados na modernidade.Aos 87 anos seus livros publicados venderam mais de 200 mil cópias.Seu livro mais popular no Brasil é o "Amor Líquido", sobre a fragilidade dos laços humanos hodiernos.







Imagem:pinterest


12 comentários:

  1. Realmente,Calu! Nada parece feito pra durar.Estamos na era dos descartáveis.Se até os amores andam assim, o que sobra ao resto?

    Quanto ao café, a minha máquina estava estragada. Voltei pro coador de papel , tri prático, sabor maravilhoso. Mas a Neca, nossa filha, resolveu me presentear com uma nova. Estou feliz, adorando e a acompanham xícaras de vidro em formato de coração.O café fica lindo! Adorei e a alegria dela ao me ofertar torna qualquer café insuperável. Assim, quis voltar à simplicidade, mas ela não deixou. E ainda deu caixas e mais caixas dos refis,rs Assim, temos café pra dar com pau,ra Lindo domingo! bjs, chica( saindo para um cineminha com a criançada!)

    ResponderExcluir
  2. Oi Calu, adorei sua crônica, nesses momentos é que a gente percebe que criou uma dependência dos eletrodomésticos e alguns deles não são tão essenciais assim.
    Aqui em casa só tomamos café coado, sabia? Adoro o ritual de esperar o café coar devagarinho e aquele cheirinho se espalhando pela casa…
    Gostei muito de você abordar a questão da modernidade líquida. Sou fã do Bauman, já li quase tudo dele, o meu preferido é "A Arte da Vida”, um verdadeiro bálsamo.
    Bjs querida e ótimo final de semana

    ResponderExcluir
  3. Ola Calu,este café coado reporta-me a infância.Meu marido é Português e aprecia um bom café e eu aprendi a gostar.Temos 3 máquinas em casa,já atenta para n ter uma frustaçao logo cedo.Texto maravilhoso,estamos a viver um caos nas relaçoes,uma pena.Lindo Sábado querida,beijinhos

    ResponderExcluir
  4. Olá, Calu! Eu passo café à moda antiga até hoje. Penso que a degustação do café começa no aroma inconfundível de passa-lo artesanalmente.
    Sobre a fugacidade dos aparelhos eletrônicos, esses dias resolvi fazer um suco no liquidificador e o danadinho travou de um jeito... imagine se eu usasse bastante!
    Essa ausência de diálogos pessoais devido aos diálogos midiáticos também me preocupa, Calu. As pessoas vão perdendo a habilidade de lidar umas com as outras, tornam-se sozinhas, individualistas... onde iremos parar?
    Abraço, ótimo domingo!

    ResponderExcluir
  5. Um texto muito interessante e a merecer uma séria reflexão.
    Um abraço e bom fim de semana

    ResponderExcluir
  6. Olá,querida
    o que é pior, na roça se adere também às mudanças modernas...
    Remotas lembranças temos do bom cafezinho cheiroso... aliás, gosto mais o que cheiro do que do café... deve ser justamente pelo motivo mencionado no post: lembrança da infância... que maravilha!
    Quanto aos relacionamentos líquidos, a família é o que me deixa mais serena e podendo respirar... eles são o meu chão interior... consistência? Tenho neles...
    Bjm fraterno

    ResponderExcluir
  7. Calu, foi no blog da Beth/Lilás que assisti a um vídeo sobre a obsolescência propagamada. É estarrecedor.
    Mas arrancou-me um sorriso a imagem escolhida para ilustrar o post: pesquisei esta semana o preço desta charmosa cafeteira! ( dispendiosa, aliás! )
    Sou fã de Zygmund Bauman e sua visão líquida dos nossos tempos.
    Um bom café, com boa companhia e olho no olho é o próprio aroma da felicidade! Beijo.

    ResponderExcluir
  8. Ah! como é real o que nos fala sobre os utensílios e os relacionamentos. Eu gosto de café coado e quando a última cafeteira estragou, desisti de comprar outra. Nos relacionamentos, Gosto muito do autor citado e tenho alguns livros que contextualizam muito bem nossa realidade atual.
    bjsc

    ResponderExcluir
  9. Calu, não conheço a obra que mencionou e vou me inteirar mais sobre o autor, em vista das inúmeras referências a ele que já li. Vivemos a época da fragilidade, que abrange tudo, desde os equipamentos até as relações. O antigo coador ainda é amado por muitos (rss). Quando menina, tudo em casa era feito com as mãos (não as minhas, uma negação), como o próprio suporte para o coador, as canecas... e por aí vai. Meus pais produziam o que era necessário, com habilidade e simplicidade. É certo que, hoje, temos os eletrodomésticos como grandes auxiliares, enquanto trabalham bem. Mas basta uma pane para ficarmos impotentes. E muitas vezes, adquirir outro é mais cômodo e barato que mandar consertar e amargar aborrecimentos. Isso até nem me entristece tanto quanto a fragilidade dos relacionamentos. Será que as famílias de amanhã terão raízes fortes como as nossas? Bjs.

    ResponderExcluir
  10. Quase não faço café em casa, apesar de gostar muito. E uso o coador de papel. Mas tenho muitas saudades do coador de flanela, de tecido... o aroma é outro, com certeza. E sabe, não sei como vc costuma fazer, mas por aqui adoçamos a água do café antes de colocar o pó. Dá outro sabor também. Não gosto de café adoçado na hora.. Coisas do interior paulista... E a quantidade que bebemos nem é tanta assim pra se preocupar com o açúcar. A não ser que se tenha alguma restrição médica.
    Infelizmente o mundo tecnológico não tem limites. Chegou pra valer e salve-se quem puder.
    Beijos, boa semana.

    ResponderExcluir
  11. Que doçura esse ritual matinal, quase ouvi uma suave melodia por aqui... Quem me dera ter tempo para um pequeno almoço assim. Aqui é sempre a correr, pelo menos durante a semana. Soube bem esse café coado? Aposto que sim.

    E concordo com vc sobre as tecnologias e a obsessão dos adolescentes por elas, mas temos que remar contra a maré (ou pelo menos tentar). Por falar nisso, hoje o pequeno explorador perguntou com que idade é que teria direito ao seu próprio telemóvel (celular). Farei tudo para adiar e minimizar o contacto dele com os aparelhos electrónicos, ele não tem playstatio, game boy, jogos de computador e afins. A única coisa elétrica que tem é um piano e uma pista de comboios. E é feliz assim! Pensar que os meninos da turma já têm o seu tablet!
    Beijinhos
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    ResponderExcluir
  12. Bom dia, querida Calu!
    Nossa, que linda sua comparação! Este amor líquido de hoje que passa tão rápido quanto um café num coador de papel descartável é o mesmo que esta visão líquida dos tempos em que o amor tem sido preterido para ficarem de olho numa telinha virtual.
    Como você, gosto tanto do café coado devagarzinho dos velhos tempos e do amor bem cuidado, sem pressa e com atenção.
    Lindo texto!
    um grande abraço carioca

    ResponderExcluir

Teu comentário é o fractal que faltava neste mosaico.
Obrigada por tua presença querida!