quarta-feira, 30 de abril de 2014

Daquilo que eu sei e do muito que desconheço










Pra quebrar o gelo no primeiro dia de aula em turmas da EJA, as professoras chegavam em sala de aula munidas de grandes caracteres japoneses recortados em cartolinas coloridas e os distribuíam entre os alunos da turma pedindo que eles tentassem adivinhar a qual letra comparativa do nosso alfabeto eles pertenceriam.A brincadeira tinha o objetivo de descontrair a turma, mostrando que todo mundo é analfabeto em alguma coisa ou em mais de uma e que isso é perfeitamente normal e solucionável.

Eu sou analfabeta em língua japonesa, em mandarim, em italiano,hiiiii, se eu continuar irei encher a página com minha comprida lista do que não conheço e do que até gostaria de conhecer melhor, porém, ainda não houve da minha parte um movimento na direção desses conhecimentos.Descaso, falta de tempo, de motivação?Pode ser tudo junto claramente identificado como desinteresse, o que me causa certo amuo, mas não chega a me perturbar.Diferentemente de outro desconhecimento meu, que me incomoda, me causa mal-estar, aumenta meus desagrados e me entristece...sou analfabeta da confiança nas instituições do meu país.

Tenho consciência disto e já me inscrevi inúmeras vezes na turma de aprendizes.Já me esforcei, busquei, pesquisei, ouvi atenta as muitas declarações dos entendidos ( ao menos assim se intitulam), estudei, prestei exames, mas não tive qualquer sucesso até hoje.Não domino  o sentimento de confiança na classe política brasileira, não decodifico seus signos, não estabeleço relações e me frustro a cada tentativa, que me distancia sempre e mais do meu objetivo.Desenvolvi, isto sim, um sentimento de estranheza que ultrapassa e muito minha altura e ganha os ares com a rapidez dum jato supersônico. 

Percebo que há muita gente no mesma turma que eu, e que se esforça pra adquirir o conhecimento nessa matéria, mas é reprovada ano após ano e acaba por evadir-se da escola da democracia, o que eu lamento verdadeiramente.A enorme lacuna causada pelo analfabetismo nessa área tem dimensões gigantescas que aumentam dia-a-dia.Como termos confiança na saúde pública, na educação, na segurança pública, nas providências urgentes, nos planejamentos a longo prazo, nas resoluções para melhorar a vida nas grandes cidades, no empenho pelo bem-estar social, na valorização da vida, no respeito aos direitos do cidadão, na própria cidadania?Como?

Receio estarmos longe de nos formarmos nessa importante matéria.O que nos consola, como saída é que nós, seguimos nos formando em muitas disciplinas seletivas que nos capacitam em esperança e persistência. 




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domingo, 27 de abril de 2014

170 motivos de comemoração - Caymmi e O Pequeno Príncipe









Já vejo Abril quase dobrando a esquina, voltando-se de quando em vez para um aceno, para um olhar aos dias passados sem perder de vista os poucos que ainda traz pelas mãos, e muito menos perder o passo marcado das horas de cada um; registro em números que rodopiam no rastro do Sol e no clarão da Lua, pendurados nas beiras do tempo contado aonde, num dia da História, foi riscado em desenhos que até hoje lhe refletem a passagem.

Surgiu daí ou donde se possa imaginar, a magia das dezenas cheias que por séculos reinam absolutas e detentoras das datas significativas da humanidade.Século XXI/DC, esse que nos fala é iniciante das unidades que lhe seguirão ordenadas, consequências duma adição rítmica que o levará à próxima dezena completa.E, de unidade em unidade vamos nós circulando as duplas ou os trios marcantes nos fatos, nos símbolos, nos tempos...

Só restam três dias para fechar o ciclo dos trinta que cabem em Abril e, neles estão contidas dezenas muito significativas, testemunhos autorais das artes de dois ícones consagrados, um escritor/compositor e um compositor/poeta, ambos escritores das sutilezas da vida.

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Aos 70, tão recente quanto em seu nascimento, permanece " O Pequeno Príncipe", na escrita alada de Saint-Exupéry, piloto-autor, ou vice-versa, a ressaltar os entremeios que ficam nos vazios não ditos e que tolhem a comunicação do que realmente importa,como nos relata o Príncipe nesse trecho:

..."Se lhes dou esses detalhes sobre o asteróide B612 e lhes confio o seu número, é
por causa das pessoas grandes. 
As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo
amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua
voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas? "Mas
perguntam: 
"Qual é sua idade? Quantos irmãos tem ele? Quanto pesa? 
Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos
às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas
no telhado. . . " elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso
dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!"[ ] 
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Números são bons quando boas são suas aplicações.Desconfio que nos últimos milênios tenham sido mais mal utilizados do que mereciam,mas nem todos, não em tudo e, com aguerrida resiliência eles nos brindam aqui e ali com motivos animadores feito estes que conto e canto em eco ao doce balanço do mar que a composição de Dorival Caymmi eternizou."Acontece que ele é baiano", soteropolitano,carioca,mineiro, brasileiro, essência da alma cantante da terra brasilis. Quase ficou a tempo de assistir as homenagens pelo seu centenário, mas o andar de cima estava precisando de mais poesia e lá se foi ele com seu violão cantando que "___ era doce morrer no mar."




Na torcida diária, nós formamos alianças com os números festivos que aumentam a vida a cada hora cheia do tempo.


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quinta-feira, 24 de abril de 2014

A CASA EM FRENTE







Passei o último ano em vigília muda pela casa em frente.Explico: uma bela casa em frente à minha foi vendida para dar lugar a um prédio.Se pensamento bloqueante tem força, confesso que gastei o meu estoque desejando um milagre, um retrocesso na venda, um sei lá o quê que desfizesse o feito e a casa da frente retomasse seus dias de glória na rua.

O muro alto não impedia que a imaginação corresse solta adivinhando o cuidadoso jardim que se deixava exibir extra-muros.Tinhorões, coqueiros,azaléias, jasmineiros conviviam em plena harmonia pelas escarpas da entrada e emolduravam um varandão sobranceiro a oferecer-se para o deleite de quem por lá estivesse.Seus cômodos estendiam-se para todos os lados e para o alto dando a impressão duma hacienda moldada por duplos estilos arquitetônicos.Tinha presença demarcada na rua.Ponto de referência no mapa do bairro até certa manhã; quando acordei com barulho dos motores possantes de caminhões e duma escavadeira.Cheguei ao meu jardim a tempo de sentir o golpe da primeira marretada em sua bela estrutura, ferida aberta que, na sequência dos dias, alastra-se como gangrena contaminadora de seu corpo,de suas raízes/alicerces.

Do tinhorão nada resta.Os coqueiros ainda estão de pé, mas creio que será por pouco tempo.O antes caprichado jardim jaz soterrado sob um monte de escombros.Cena desoladora. Dá um aperto no peito ver-se uma história em ruínas, arrasada sob o peso da ganância imobiliária, monstro de bocarra dentada que vai transformando a cidade numa selva de pedra vertical. 








A mim, resta o lamento pelo que tudo isso representa para nós moradores, para o bairro, para a natureza do lugar. Avizinham-se dias incômodos,ai,ai... 




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domingo, 20 de abril de 2014

Caminhos das Águas









Me encanta o murmúrio das águas ainda mais se correm livres o seu curso, fato cada vez mais raro nas grandes cidades.Inútil repetir aqui (talvez?) todos os desarranjos provocados pelo crescimento urbano desordenado e suas consequências, na maioria trágicas.Culpa das águas? Absolutamente não.Elas são as incubadoras da natureza em cada forma na qual se apresentam.Vida corrente, ondulada, refúgio, nascente pra tudo o que há, e mesmo assim, tão maltratadas, aviltadas, levadas ao extermínio irresponsável e acusadas pela  escassez que não provocaram.
Estamos vendo e vivendo as agruras desses descasos agravarem-se repetidamente e pagamos a conta da inépcia do poder público e do nosso próprio desperdício.Bem disse meu netinho no banho:
___ Fecha o chuveiro enquanto me ensaboa, vovó, pra não gastar a água do planeta!Atendo de pronto ao pedido do meu pequeno ambientalista e me empenho com ele numa mudança de atitude de nossa parte na melhor utilização das águas do planeta.

A admiração declarada revela a poesia que mora nos ritmos das águas na natureza.


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"... Pensei que o corpo se parece com um rio.Como o rio, ele nasce em lugares altos e inacessíveis, são poucos os que têm a felicidade de ver o lugar de onde ele sai[...]Nasce como um fiozinho de água, em meio a pedras cobertas de limo, samambaias, avencas e orquídeas.Ali o silêncio é grande.Porque o silêncio é grande ouve-se muito..."

Rubem Alves 

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O borbulhar duma nascente me traz a imagem do eterno renascimento, incansável persistência dum elemento vital que brota pelas veias da terra, abrindo porosidade onde a rocha permite e que rompendo  barreiras desliza para o ar.

 Tempo de sermos como as águas renascidas! 


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O simpático personagem Chico Bento, foi "nomeado" embaixador da proteção das nascentes do #Pantanal, pelo WWF- Brasil.
Adorei a escolha. 


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Imagens: National Geographic-Brasil

quarta-feira, 16 de abril de 2014

8ª edição - Bookcrossing Blogueiro / festa literária









 Começou mais uma edição do Bookcrossing Blogueiro, movimento proposto pela Luma Rosa e que já se encontra em sua 8ª edição arrebanhando cada vez mais participantes animados em "esquecer um livro", de preferência em local público, mas não só, podendo ser doado diretamente ou enviado via correios.O importante é que o livro liberto ganhe outras mãos e percorra o maior número de leitores possível.

Dessa vez eu escolhi o envio pelos correios com destinatário certo. Uma conhecida blogueira foi a premiada com o meu livro liberto: "Um hotel na esquina do tempo", de Jamie Ford.O romance aborda os acontecimentos na vida dos nipo-americanos por ocasião da 2ª guerra mundial, os conflitos e as agruras sofridas por esta parcela da população em território americano.



Tomara que ela aprecie a leitura.  

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E para não perder o embalo da festa literária que toma conta da blogosfera, já fiz minha participação no Bookcrossing Kids, libertando uma história com temática ecológica.Fiquei matutando onde deveria "esquecê-lo", pois não achei conveniente que fosse perto de nenhuma escola já que o acervo de todas as escolas municipais e estaduais é bem vasto.Aí me veio à lembrança uma pequena pracinha que fica diante dum posto de saúde do bairro.Achei que seria um lugar ideal para alegrar uma criança que por lá passasse.Dito e feito.Cumpri minha meta e deixei em cima da mesinha de pedra o livro liberto.





Todas as edições do evento me enchem de entusiasmo e fé no futuro. 
Participe também dessa animada campanha.Visite o LuzdeLuma e saiba mais.



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UMA FELIZ PÁSCOA! 




Que a renovação seja abençoada e plena em seus dias!



segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sonhos Escolhidos / brincando com a Chica









"Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto.É isso que impede o tempo e atrasa a ruga."
Mia Couto


Escolha seu sonho,de Cecília Meireles, é o título do livro que li no ginasial e do qual cada aluno deveria escolher um dos sonhos lidos e juntá-lo a um dos seus fazendo um texto único.O sonho de alguém que se completa com o nosso próprio como se fossem um só.Difícil tarefa, na escola e na vida, mas possível.Claro que demanda esforço, boa vontade, dedicação e cuidado, com os seus e com os sonhos do outro(a). Enlaçar-se carinhosamente cada sonho pra que o embrulho não se desamarre e acabe desprezado, pode ser uma receita bem sucedida de sonhos adocicados.

Passou um desses sonhos escolhidos na minha manhã de sexta passada e fez-se realidade abrindo meu dia com a chave da felicidade. Minha filhota chegou lá de longe para ficar aqui bem pertinho da gente e agitar as horas com sua alegria.Tô com um sorriso pregado que não desmancha por nada e o vejo refletido nos outros rostos da casa.Pra todo lado se fala, tudo junto ao mesmo tempo, que a nós nem nos abala a bagunça do momento, ao contrário, o queremos é que ela se estique, agigante, ganhe asas, cubra tudo num só pique.


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A semana promete um montão de boas vivências.Feriadão esticado, dias de possíveis descansos, passeios e reuniões em família / com amigos(as).Um tempo que ganhamos de presente e como todo bom presente, vamos abri-lo com carinho, pegá-lo com amorosidade e compartilhá-lo com todos ao redor.Alegrias divididas se multiplicam rapidamente, elevam a auto-estima nossa e dos demais.Elogie com sinceridade e sem economia, é um brinde a mais que será muito bem-vindo. 









"Sete dias enlaçados brincam de fazer semanas."





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Imagem: weheartit

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Fractais de gentilezas espontâneas










" A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."
Manoel de Barros


Apesar de sermos sufocados pela enxurrada de fatos lamentáveis pra todo lado, ainda assim conseguimos abrir a janela e recebermos um sopro de ar puro, um facho solar luminoso a nos motivar para o otimismo e para a fé que cultivamos nas pessoas.Ontem vivi essa constatação ao ser acudida por um distinto desconhecido ao me ver sendo abordada por um morador de rua de maus modos que insistia em seu pedido aos berros pela faixa comercial da rua.Dei-lhe os trocados que tinha, mas ele não se dava por satisfeito.Disse-lhe que se encaminhasse para a secretaria de serviço social da cidade, mas ele não me dava ouvidos.Foi aí, que este senhor distinto se interpôs entre eu e o dito morador pedindo-lhe que seguisse meu conselho e tomasse o rumo indicado.Agradeci muitíssimo a gentileza espontânea e segui meu caminho tomada pela boa sensação de que vale a pena acreditar no outro e no que de melhor existe.

Tenho visto em diferentes sites pela web muitos registros de gentilezas espontâneas que fazem a enorme diferença entre um dia triste e um dia alegre.Cada vez mais cresce o desejo de mostrar-se o lado positivo que há no mundo; é quase uma urgência que se coloca diante de tantas tristezas e descalabros acontecidos.Faz-nos bem saber do bem feito.Isso ressalta em nós a validade de nossa fé no humano, de nossa busca por uma prática solidária, por uma vida irmanada no bem e no bom.

Mais um exemplo é dado pela produtora cultural e artesã gaúcha Nonô Joris, que tem dedicado uma parte de seu tempo para alegrar e deixar mais cheiroso o dia das pessoas que passam por sua porta na capital sulista, onde encontram gratuitamente enfileiradas no muro mudinhas de manjericão plantadas em caixinhas reutilizadas.Simples, fácil e carinhosa gentileza que dão sorrisos aos rostos e calor aos corações.





A simpática prática incentivada por algumas cafeterias da cidade em deixar-se um cafezinho pago para o próximo cliente, beneficamente se espalha e ganha outras modalidades, como: deixar-se moedas presas na máquina de refrigerantes, uma flor de uma banca-floricultura...Nesta semana, um cidadão exemplar achou na rua um boleto de conta juntamente com o dinheiro referente.Percebendo o que havia acontecido ao dono(a) do achado, dirigiu-se a casa lotérica e pagou o documento.

Nas diversas maneiras de espalhar-se gentilezas encontramos uma espiral crescente de boas novas pelos mundos: real e virtual.Por aqui, estamos às vésperas do bookcrossing blogueiro e, além disso há uma intensa e benéfica movimentação de gentilezas e carinhos que nos abrilhantam os dias.

Destaque vc também, as gentilezas que recebe e as afixe no painel de teus dias mais luminosos.



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Imagem: catracalivre
nonô joris. com.br/arte e produção


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Espalhando poesia por aí / Desafio dos poemas








De maneira similar, considero as BCs como formas modernizadas do repente nordestino, tradição que remonta ao tempo dos trovadores medievais, que em duplas se "desafiavam" num improviso dialógico através da poesia e da música onde os dois contendores alternavam uma conversa comprida a partir do mote dado pelo outro; um tema pelo qual os artistas se pautam e desenvolvem a partir da habilidade de cada um.

As BCs excluem o desafio propriamente dito e incentivam a conversa interativa através das inúmeras artes de cada participante resultando em páginas de imensa beleza.São textos, crônicas, poemas, haikais, imagens, legendas e tudo o mais que é produzido pela intensa criatividade das blogueiras e blogueiros participantes .Agora com os links entre as diferentes redes sociais, o movimento das Bcs se intensificou ramificando ainda mais as conexões.

Foi assim que a Karin, do blog: meudocelar.blogspot (Aqui), veio a trazer para a blogosfera o desafio acontecido lá no Face. O desafio consta de:

_ espalhar poesia por aí,
_ publicar um poema e escolher mais 5 blogs para participar e avisar aos escolhidos,
__ todo tipo de poesia, tá valendo.

Minhas indicações:

__ Anne Lieri, asasdosversosereversos.blogspot.com
__ Chica, chicabrincadepoesia.blogspot.com
__ Ailime, sinaisdeesperança.blogspot.com 
__ Ana Paula, despassarado.blogspot.com


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Aceito o desafio trago aqui um poema de detalhada sensibilidade criado pela amiga 
Beth Lilás (Aqui) para nosso deleite.

O cheiro da chuva
Lá longe o relâmpago cortou o céu,
seguiu-se o trovão acompanhado de vento forte.
De repente a tarde ficou em brumas.
Os pássaros recolheram-se aos ninhos
e fez-se silêncio.


Somente o barulho da chuva açoitando os galhos

era ouvida e sentida.
O tempo, como parado num fio,
tecia lentamente as contas formadas pelos pingos.

Deitei-me no sofá da sala e acompanhei pela janela
a dança frenética da chuva primaveril sobre os pinheiros.
Tantas vidas ali se esconderam,
quietinhos, todos, penas e pelos.


Nestes minutos mágicos,

a natureza mostrou-se imperiosa,
num harmonioso torvelinho,
provando a todos o quanto é poderosa.


Algum tempo depois

a chuva despediu-se
deixando a terra úmida
fresca, verdinha, sadia e grata.

Pelos e penas se mexiam
e tudo recomeçou,
o farfalhar de folhas,
e a cantoria de pássaros, alegres, de novo.


E com toda gratidão

o cheiro bom desta tarde
guardarei na recordação.

O sopro divino que refrescou
meu jardim e mais ainda,
amorosamente,
meu coração.

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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Uma história, muitas descobertas - livro infantil








Dentre todas as correrias que se multiplicavam no penúltimo mês letivo, nós professoras dos fundamentais I e II , tínhamos uma tarefa inadiável, a de selecionarmos dois livros de literatura infantil para constar da lista escolar do ano seguinte.Embora estivéssemos atoladas de trabalhos mil até a raiz dos cabelos, essa tarefa era vista como prêmio. Os representantes das editoras eram figurinhas fáceis pelos corredores do colégio levando e trazendo pilhas de exemplares para análise. A sala dos professores ficava abarrotada com as diferentes obras e suas histórias cativantes.

Foi em 1999 que tive contato com um livro apaixonante que nós, professores, familiarmente chamamos de livro-mudo; trata-se duma história ilustrada sem narrativa escrita, excelente atividade para desenvolver a oralidade e a coesão textual dos alunos(as), explorando ainda a criatividade e a livre composição.Pois sim, eu sempre fui apaixonada por tais publicações.Uma dessas que me acompanhou por todos os anos que se seguiram é " A Flor do lado de lá", do ilustrador Roger Mello que no mês de março passado foi premiado com O Nobel de Literatura Infanto-Juvenil, o prêmio Hans Christian Andersen, na feira do livro em Bolonha,na Itália.

Por coincidência(será?), eu iria sugerir esse autor para a Luma(Aqui) ao comentar seu post duma indicação de literatura do gênero e, qual não foi minha grata surpresa hoje ao ler sobre o merecido prêmio recebido por esse talentoso ilustrador/contador de histórias.A personagem principal dessa obra é um bichinho simpático que tanto pode ser uma anta ou um hipopótamo ou algo entre esses dois, o que dá margem para a imaginação infantil procurar adivinhar.Os traços expressivos da personagem dialogam o tempo todo com o leitor e despertam a surpresa que a página seguinte trará.A história enfoca os equívocos que nos assediam despercebidamente e o sofrimento inútil que causam.

Um lúdico exercício filosófico sempre atual e bem apropriado para os dias consumistas de hoje, que apesar de termos em mãos uma medida ainda sem força de lei, que considera abusiva toda publicidade para crianças proibindo o direcionamento à criança de anúncios impressos,comerciais televisivos e todos os afins, tratando também sobre a abusividade de qualquer publicidade e comunicação mercadológica no interior dos diferentes espaços educacionais, configura-se apenas como recomendações;resolução de caráter educacional.

Sem dúvida, um bom passo, mas que não pode de forma nenhuma ser único e final.Temos de continuar o empenho em prol duma verdadeira cidadania para nossas crianças e jovens. 

Fica a dica: há muitas publicações classificadas como infantis que superam outras classificadas como adultas.




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sábado, 5 de abril de 2014

Movimento pelo reencantamento do mundo












Que as crianças estão sempre nos surpreendo é fato sabido e apreciado.Por aqui, na família, estamos às voltas com os preparativos para chegada do Rafael, irmão do Miguel, os pais foram atrás dum móvel funcional para o quarto dos dois.O tamanho reduzido dos cômodos dos apartamentos exige criatividade em tudo. Encontraram um bi-berço: cama embaixo e berço em cima.Torci o nariz reclamando que o Miguel poderia não gostar.Errei redondamente. Assim que viu o novo móvel no quarto ele vibrou com sua "cama-secreta", e logo bolou uma brincadeira de esconde-esconde comigo.

É o nosso olhar costumeiro que tira a magia das coisas.A visão de mundo das crianças é sempre encantada, nós adultos é que a transformamos com nossos desencantos experenciados.Deixamos de ver aquilo que deixamos de acreditar e convictos de que as estamos preparando para o mundo apagamos,muitas das vezes, aquele olhar mágico que lhes é natural.

Mas, nem todos os adultos perderam este modo de ver o mundo e há inúmeras provas disto;ao que nos mostram os poetas, os pintores, os artistas, os escultores, os escritores e muitas blogueiras e blogueiros empenhados em reacender a cada dia o olhar mágico que nele reside. Esse olhar que transforma a realidade sem mascará-la, dando-lhe sopros purpurinados que aumentam seu brilho, mas não a escondem.Os que alimentam o reencantamento do mundo estão empenhados em contagiar aqueles que por algum motivo esvaziaram essa visão.

Foi assistindo a um vídeo do escritor moçambicano,Mia Couto,no Youtube, que o termo e o conceito me despertaram para a existência desse movimento "pelo reencantamento do mundo", o qual me cativou de imediato.Há inúmeros artigos, propostas e atitudes nesse sentido e, aqui na nossa blogosfera isso é uma feliz e aplaudida realidade que nos impulsiona cada vez mais nessa direção: a de reencantarmos cada vez mais o maior número de pessoas. 




" AVIDA É DEMASIADO PRECIOSA PARA SER ESBANJADA NUM MUNDO DESENCANTADO!"
 Mia Couto


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Imagem: hypeness ( cada de Hobbit na Nova Zelândia)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

A educação atrás das barras de chumbo - descomemoração à ditadura









"... No fundo é muito difícil viver o exílio, conviver com todas as saudades diferentes__ a da cidade, a do país, a das gentes, a de uma certa esquina, a da comida__ conviver com a saudade é educá-la também[...]", declarou o incansável educador brasileiro Paulo Freire em suas escrituras.

No clamor da data que marca 50 anos dum período de trevas na história brasileira, ressoa por todo país as diversas manifestações de repúdio à ditadura militar.Sabemos da inúmeras vítimas deste regime que ceifou vidas e vitimou  famílias deixando órfãos pais e filhos.Os braços armados do Estado se alongaram como tentáculos multiplicados por todas as áreas da sociedade e a educação foi uma das primeiras a senti-los.

 Paulo Freire foi um dos primeiros brasileiros a ser punido pelo regime autoritário, preso logo após o golpe acusado de subversivo e ignorante por instituir o seu Programa Nacional de Alfabetização, o qual atendia às populações campesinas analfabetas e desfavorecidas na campanha " de pé no chão também se aprende a ler." Em sua batalha contra a opressão em favor da vida e da liberdade consolidou sua proposta de uma educação libertária, que ia ao encontro do aprendente aonde ele estivesse promovendo uma pedagogia aberta, valorizadora das experiências das pessoas e de suas origens.Para a época, uma verdeira revolução no ensinar e no aprender para crianças, jovens e adultos.O menino do campo não seria obrigado a descobrir o alfabeto em cartilhas bonitas, porém diagramadas com símbolos e referências das quais ele jamais tinha entrado em contato e que não lhe significavam nada, ao contrário, promoviam logo desinteresse.Percebendo esse afastamento entre a formalidade e a realidade, o professor Paulo Freire aproximou o ensino da vivência real dos aprendentes, trazendo seus conhecimentos práticos, seus hábitos, sua cultura pras salas de aula improvisadas em galpões, em quintais e onde mais houvesse um espaço propício.No interesse crescente das crianças e jovens, vieram os pais lavradores, camponeses paupérrimos, explorados e esquecidos nos cantões do país.

Essa troca fecunda de saberes foi num crescendo se espalhando e dando frutos; os alunos de todas as idades iam conquistando pouco a pouco sua cidadania, aprendendo a ler o mundo que os rodeava e o que se encontrava distante através dos diferentes suportes de leitura que lhes eram apresentados.Foram ganhando autonomia, desenvolvendo criticidade, dialogando e interferindo em suas realidades ao que isso logo chamou a atenção e o desagrado dos poderosos e assim que a ocasião propiciou reivindicaram ao governo militar a imediata suspensão dessa "nociva prática pedagógica" e a consequente punição de seu idealizador.

Para o opressor não interessa um oprimido pensante, cidadão consciente e pleno de seus direitos, sendo assim a premissa mais uma vez se cumpriu demarcando o que se viu a seguir: um golpe de Estado onde um clima de terror foi infligido a todos os setores da sociedade brasileira perdurando por duas lamentáveis décadas.

Preso por 75 dias, Paulo Freire foi "convencido" a deixar o país, no que resultou em 16 anos de exílio, mas não de resignação acomodada.Movido por seu incansável ideal não se deixou ficar ilhado no espaço imposto, foi em busca dos oprimidos em todas as partes da Terra.Levou sua pedagogia libertária por países das Américas e África interessados numa educação ampla e real.Dialogou com chefes de Estado, acadêmicos de todas as áreas, ministros e pessoas do povo dos lugares por onde passou espalhando a sua pedagogia da esperança.


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O jornal O Diário de Pernambuco produziu um webdocumentário "Filhos do Golpe", onde retrata os acontecimentos decorrentes pelo viés de dez filhos de presos políticos, desaparecidos, assassinados e/ou exilados,  pela ditadura militar.