aproveito o tempo que minha mãe e minhas irmãs estão lá na sala ocupadas comprando fitas e adornos recém chegados da capital trazidos pelo mascate, e com isso me dando este tempinho de liberdade aqui no quarto; nem quero imaginar se uma das minhas irmãs souber que te escrevo, vai infernizar os meus dias com chacotas inconvenientes.
Elas nem desconfiam dos meus sentimentos por Inácio e prefiro que assim continuem.Tomo o maior cuidado em levantar-me antes delas e correr para a lateral do muro do quintal que contorna a esquina da travessa e recolher a florzinha ali deixada por ele, todas as manhãs.Trago-a junto ao peito até o alpendre aonde perco uns minutos sonhando com ele, com meu Inácio.
Já te contei na carta passada da primeira flor que ele me ofertou, lembra-se? Mesmo que sim, te recordarei. Foi na quermesse do mês passado.Caminhava ao lado de minha família por entre as barraquinhas,parando de quando em vez pra provar umas delícias oferecidas quando senti um leve roçar na minha mão e antes que eu pudesse ter qualquer reação senti apenas o deslocar do vento em minhas saias em sua passagem por mim ao deixar a pequena flor entre meus dedos.Disfarcei o acontecido deslizando a flor pra dentro de minha bolsinha rendada.
Desde então, meus livros estão com as páginas abarrotadas de pétalas das mais variadas cores e cada uma delas me fazendo sonhar acordada.Fico imaginando quando chegará o dia em que finalmente ele oficializará nosso compromisso.Sendo a filha mais nova estou desobrigada de contrair um matrimônio rentável em títulos e vantagens para o bom nome da família, e isto me alivia enormemente, pois posso cultivar meus sentimentos pelo eleito do meu coração. Pessoalmente, acho estes costumes muitíssimo dolorosos, você bem o sabe, não é? Sofreu esta desdita. Embora, nós hoje estejamos a quatro meses da virada do novo século, o XX, alguns costumes continuam tão arraigados como em teu tempo, no século XVI. Uma discrepância!
Levo comigo uma enorme dúvida, Julieta e peço-lhe que me aconselhe quanto a melhor atitude nesse caso.Apesar do apreço que ele demonstra por mim através de sorrisos e cumprimentos e destas mimosas florzinhas que vez por outra, veem acompanhadas dum pequenino cartão com versos de poetas renomados, ele não se aproxima.Os mimos com os quais me presenteia me dão confiança em seus sentimentos. Ao lê-los minha alma flutua, meus pés ganham asas e meu coração dispara.Procuro disfarçar minha emoção perante minha mãe e irmãs, pois receio a reação delas diante da corte de Inácio, um belo rapaz, mas sem fortuna ou título nobiliárquico que o valha.Trabalha como contador para o alcaide e é muito elogiado por este.Mora com a mãe, numa casa simples perto da linha férrea e todos os dias se desloca num velocycle emprestado pelo pároco.
Você viveu um amor proibido e sabe todas as dificuldades que se interpõem entre os apaixonados, no entanto, se crerem em seus sentimentos a tudo enfrentarão e é nesta convicção que me debruço colocando todas as minhas esperanças na realização deste amor, mas ao mesmo tempo, não sei se minhas crenças são correspondidas com sinceridade ou se apenas sou vista como uma brincadeira, uma conquista fugaz, mera distração de horas tediosas.
Tomadas por essas angústias é que brotaram as linhas desta carta a ti endereçada, Julieta, embora ela nunca chegue as tuas mãos, guardo sinceros anseios de que outras "Julietas" possam me orientar apaziguando meu coração sofrido.Selo e posto-a endereçada a ti, para a cidade de Verona, Itália.
Despeço-me esperançosa e grata por tua atenção.
Atenciosamente,
Maria Cecília
(óleo sobre tela/Gabriel Gerhartz - EUA)
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Este conto é a minha participação na BC promovida pelo parceiro Christian Louis, dos escritoslisergicos.blogspot, movimentando a data na blogosfera.Participe também!
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Lindo, comovente e tão inspirado teu conto! Estás cada vez mais cada vez, Calu! Adoro te ler! beijos,parabéns!chica
ResponderExcluirQue coisa mais linda, Calu! Quase se pode sentir o perfume das pétalas de flores no livro dessa "Julieta". Quanto ao filme que dá nome ao post, é daqueles que se vê e revê trocentas vezes.
ResponderExcluirBeijos e feliz dia dos namorados.
Ai Calu, que perticipação mais linda!
ResponderExcluirSeu conto passou pra mim como um filme, flor!
Amei!
Beijos
Selma
Que linda sua participação genuína, cara amiga!
ResponderExcluirVocê me transportou para aqueles tempos da virada do século onde os namoros e paixões eram tão complicados e sofridos.
Belíssimo conto, cheio de inspiração como só você tem.
beijos cariocas em dia azul e lá vou eu pro outro lado da poça!
Bom dia Calu
ResponderExcluirUma história envolvente com toques de romantismo magistralmente descrito s páginas desta bela carta. O amor é o sentimento mais perfeito, que envolve o ser humano na sua totalidade: espírito, alma e corpo. Que este dia seja celebrado evidenciando o amor que une dois seres apaixonados. Feliz dia dos namorados!
Beijos com carinho
Gracita
Calu, estou rindo do seu comentário, adorei o termo "rasgar o véu da fantasia", ahaha!
ResponderExcluirMas acerca do seu conto, ficou show a ideia de se teletransportar para uma época passada e, baseada nestas vivências que muitas pessoas passaram, trabalhar a escrita em cima disto.
Bem... Não faço parte da equipe da Julieta, contudo, eu responderia à sua personagem que muito provavelmente (não é certeza)este amor não sai do platonismo por insegurança dele. Diria a ela que sim, tal como todas as mulheres, temos também nossas inseguranças e são imensas por uma atitude que, nem sempre é fácil ter, imagine então nessa época e sendo plebeu.
Embora não tenha mudado tanto assim. Hoje os "plebeus" são os que andam de ônibus, os que tem que lutar para ter uma vida no mínimo digna e muitas "princesas" estão em busca dos "nobres" de carrões, cartão de crédito sem limites, um bom emprego, ou seja, não mudou muito ou quase nada realmente, ahah!
Relacionamentos são complicados, em todas as épocas e acredito que sempre serão.
Parabéns pela participação parceira!
Olá Calu,
ResponderExcluirQuanta inspiração!!! Quando o coração escolhe o pretendente é bom demais. Outras épocas...Outros sofrimentos na obrigação de casar por outros interesses.
Adorei a sua participação.
Beijos mil
Adorei sua carta conto!
ResponderExcluirbeijos e tbm estou participando dessa BC!
Olá Calu
ResponderExcluirEstava ansiosa para ler sua participação, escreves divinamente e este texto é a prova. Uma linda e suave estoria de amor, como viajei em cada palavra imaginado o cenário. Emocionante este amor proibido que com certeza não acabará como a estoria de Julieta, assim espero.
Parabéns por sua participação. Beijos.
Calu (Cecília)rs,
ResponderExcluirAdorei o deslocamento no tempo que seu texto nos propicia. Achei demais a criação de uma admiradora romântica que busca conselho para seu amar secreto, supostamente correspondido. Creio que no fundo Cecília já tenha as respostas quando questiona, mas talvez precisasse ouvir isso de alguém que também amou intensamente. Demais Calu! Gr. Bj.!
Que linda historia tão romântico...Imagina o qto ela sofria mesmo em amar uma pessoa que os pais não iriam aceitar.
ResponderExcluirOlá, querida amiga Calu
ResponderExcluirSabe, minha "irmã", fiquei contemplando as longas sais levíssimas com anáguas... em tecidos transparentes... com brocados e bordados... numa sutileza sem fim...
"Ter o cuidado" (assim como merece o amor, zelo) para não tropeçar nelas nem nele...
As pétalas de flores guardadas (até em livros)...
Um clima romântico e perfeito...
Mas nem tudo são flores e poesia no amor.... mas creio em final feliz sim... caso contrário, seria morrer em vida... isso eu não quero pra mim...
Seja muito abençoada e feliz!!!
Bjm de paz e bem
Oi Calu!Um romance á moda antiga e como aconteciam esses namoricos furtivos!Ficou linda sua carta!bjs,
ResponderExcluirOi Calu!
ResponderExcluirVocê criou uma personagem para se comunicar com outra personagem...
MUITO BOM!!!!!
Abração
Jan
Que inspiração!
ResponderExcluirAdorei seu conto ambientado em outra época, outro século e a delicadeza com que a personagem expõe seu entusiasmo e ao mesmo tempo seu temor de ser iludida com uma paixão unilateral.
Belo romance!
Calu, que lindo! Um conto/carta!
ResponderExcluirFicou perfeito e Julieta deve ter adorado receber.Imagina a aflição de Maria Cecília?
Agora fico curiosa com a resposta... ahhhhhhhh
Beijos
What if...? What if...?
ResponderExcluirFiquei com o coração na mão... mas que lindo texto! *_* Julieta responderá?
Oi Calu
ResponderExcluirVc sempre inspiradíssima! Escreveu um belo conto, nos prendeu com riqueza de detalhes no início ao fim! Parabéns!
Bjos.
Olá Calu.
ResponderExcluirAdorei a sua carta.
Sua maneira de escrever permite que criemos em nossa mente todos os detalhes dessa história.
Abraço
Ana Virgínia.
filhadejose.blogspot.com
facebook.com/filhadejose
Maravilhosa a sua participação, Calu
ResponderExcluirObrigada pelas gentis palavras lá no blog
Tenha um lindo dia, querida
Bjos de
Verena e Bichinhos
Olá!Bom dia
ResponderExcluirCalu
Como vai?
Bela participação na BC
...homens e mulheres amaram-se em todas as épocas ,muitos sonhos foram realizados; muitas paixões desperdiçadas.Alguns matam os amantes. Outros se matam. Sempre em luta contra terríveis obstáculos para alcançar a felicidade no amor, quando nem sempre é levada as últimas consequências a ideia de que o sentimento deve sobrepor-se à vida e a razão. E nem discutir a oposição entre a emoção e os limites impostos pela sociedade e pela família, à realização do amor..., Felizmente, Maria Cecilia e Inácio, de todo o mundo, nos deixa provas de que tudo é possível com romantismo e simplicidade. Amor é simplesmente amor, sem receitas, sem preço, mas com muito carinho, envolvimento e apreço...
Obrigado pelo carinho de sempre
Meu carinho
Bela quinta feira
Beijos
Passando para te desejar um ótimo final de semana,
ResponderExcluirbeijos!
Você me ganhou com a citação do Chico Buarque lá no blog, e adorei ler sobre seu romance fofo. Essas peqeunas gentilezas como a de dar flores sempre me ganham. Beijos!
ResponderExcluirOI CALU!
ResponderExcluirGOSTEI DEMAIS DE TUA CARTA PARA JULIETA.
DESTE UM ENFOQUE DE ÉPOCA O QUE A DEIXOU INTERESSANTE E DIFERENTE.
PARABÉNS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Olá Calu! Gostei de sua participação. Tenho saudade de quando escrevia carta para um(a) amigo(a) distante. Essa prática está bem esquecida ultimamente, não é? Nela, colocávamos toda a emoção que sentíamos, nossa amizade, nosso dia-a-dia, para que a pessoa se inteirasse de nossa situação. Mas, os tempos são outros e nos atualizarmos é preciso.
ResponderExcluirUm abraço e tenha bons dias!
Calu,
ResponderExcluirUm formato brilhante para nos brindar no Dia dos Namorados, com um belo conto.
A delicadeza e emoção dos amores platônicos... Compartilho da ideia do Christian, também creio que Inácio tenha dúvidas se o amor será correspondido na mesma intensidade.
A continuação de um lindo domingo.
Bjs.
Existem muitas coisas mágicas que a literatura faz, mas a que eu mais gosto é essa capacidade de nos fazer viajar no tempo... O passado fica aqui quando o texto é bom! Que delicia viajar no tempo. Sua carta me fez recordar meu próprio amor juvenil, eu costumava ficar na janela do meu quarto de onde da para ver a rua e ficar esperando ele passar, quando ele vinha descia correndo a escadaria e me encontrava como se fosse por acaso... Ele me trazia mangás em vez de flores e era tímido de morrer... Gostaria que a Maria encontrasse a felicidade... Quem sabe!!!
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