terça-feira, 17 de março de 2015

Dias Antigos







Vão bem longe aqueles dias de janeiro a passarem quentes pela tosca estrada que nos levava pras pequenas férias em São Pedro D'aldeia, um arraial tranquilo à beira-mar, bem propício pra criançada ; íamos, nós, os primos, divididos nos carros da família em velocidade de cruzeiro desfrutando de cada detalhe da paisagem de fora da janela.Todo risonho, ia meu pai ao volante de seu Fusquinha/60 estalando de novo, ronronando suave pelo asfalto que nos levaria aos dias de muitas brincadeiras prometidas.

Um pequeno comboio de dois, meu pai e meu tio,motoristas prudentes a seguirem sem pressa pela estrada, permitindo que nós, as crianças, pudéssemos fazer algazarra com tudo o que víamos.Tudo era interessante aos nossos olhos urbanos, afinal tínhamos participado ativamente dos preparativos para aquela "viagem" de férias e cada instante, cada ocasião, era festejada com muito alarde.

Eu não tinha a mínima noção do que se passava para além do meu mundinho familiar.Aos cinco anos de idade o que mais se quer é brincar e rir muito, desejo natural ( que deveria ser um direito) de toda criança.Diferente do mundo dos adultos, do qual eu estava bem distante; horas leves e distraídas são a tônica desta fase da vida( deveriam ser), mas embora pequena, toda criança sente a atmosfera na qual se encontra e reage conforme ditam os comportamentos dos mais velhos seja para o riso ou para a tristeza.

Pois, naqueles dias a alegria de meus pais e avós me contagiava.Um clima de tranquilidade segura soltava o riso neles, o bom humor era constante e as conversas sempre animadas sobre o então, sobre o futuro.O Brasil estava em franco e reconhecido desenvolvimento.Nosso presidente bossa-nova inauguraria a nova capital dali a quatro meses.A indústria ia a todo vapor.As importações traziam novidades que enlouqueciam as dona-de-casa.Voava a Panair em céus límpidos.Claro, que não só flores e festas davam a moldura nos dias dos brasileiros,porém, havia uma confiança nas instituições governamentais que sugeria segurança e boas perspectivas futuras alimentando esperanças.

Vão bem longe aqueles dias...





¨¨**¨¨ 


Naquele cenário de tantas efervescência, despontou a escritora/poeta paulista Lupe Cotrim, atuante e respeitada na cena literária da década de 60.Falecida  prematuramente aos 36 anos, acabou por receber certo esquecimento.Deixou como legado sete livros de refinada poesia lírica.Uma mulher além de seu tempo, carismática e inquieta.


Ó que imenso dissipar
( Lupe Cotrim)


Ó que imenso dissipar
por assim gostar de tudo.

Com o meu ser estendido,
tenso ao apelo do mundo,
pulsando seu movimento
vou erguendo esta prisão.

Os pés retidos, imóveis,
pelos choques de atração
com a alma paralisada
contendo tanta largueza
e aspectos de vastidão.

Por que ter tantos sentidos,
o sentimento tão apto
e o coração vulnerável?

Por que o sentir sem repouso
num sentir que é um rapto,
exausto de comunhão?

Um pobreza qualquer,
pobreza em voz, em beleza,
em querer, em perceber,
uma pobreza qualquer
onde eu possa enriquecer.


¨¨**¨¨**¨¨ 





Imagens: fuscadorock.blogspot
folha/uol
Fonte:metáfora




10 comentários:

  1. Calu, nos fizeste voltar o filme...Recordações tantas daquele tempinho bom! passeios na simplicidade, lugares pra nos esbaldar em brincadeiras, fuzarcas..O velho e bom fusquinha, a Panair, a inocência, o acreditar no futuro, a esperança...

    Tempos bons, longe mesmo dos de hoje!!!

    Adorei a poesia e não a conhecia! Valeu! beijos, linda semana,chica

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  2. oi Calu

    Viagens em família são pura diversão.

    bjokas =)

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  3. Ah Calu, o quebra-vento certamente ia aberto por essas estradas!
    Comecei a ler e parece que ouço barulho de panelas... Ah, não, deve ser só um fusquinha passando.

    Gostei de conhecer Lupe Cotrim; nunca tinha ouvido falar nela.
    Beijo!

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  4. Belíssimo poema, Calu, não conhecia essa escritora.
    Mas parece que tinha a alma bastante atormentada...talvez esse sofrimento fosse o motorzinho que a fazia criar coisas tão belas.
    Bjs

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  5. Uma viagem ao túnel do tempo sempre me agrada. Belo poema. Não conhecia a escritora que me parece inspirada nos seus conflitos pessoais. bjs

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  6. Boa tarde Calu, excelente a sua cronica que me fez voltar anos atrás e até nem tão recuados, quando nos anos 80/90 partíamos com os filhos e uma outra família próxima, parando aqui e acolá para desfrutar da natureza que nos rodeava (usávamos estradas secundarias;)) e depois o saudável convívio no destino!
    Hoje também já não é bem assim por vários motivos, mas ficam sempre as gratas recordações!
    Gostei do poema de Lupe Cootrim que não conhecia e que voltarei a ler, pois não me parece fácil interpretá-lo;))!
    Beijinhos, Ailime

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  7. Que linda viagem Calu.
    Eu me lembro com saudades o tempo que passou...diz Roberto Carlos numa canção e é bem assim, quando nos deixamos levar por estas belas lembranças de um tempo de feliz idade sem os perigos da vida atual.
    A primeira Coca Cola lembro bem agora nas asas da Panair... cantou Milton Nascimento para dizer destas novidades de além mar.
    A poesia ilustrativa da época é uma maravilhosa arte desta poetisa.
    Obrigado Calu pela viagem.
    Meu carinhoso abraço amiga.
    Beijo de paz e luz nos seus dias.
    Gostei.

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  8. Oi, Calu!
    Da leveza da alegria dos pensamentos infantis à amargura por não encontrar a "riqueza" do riso perdido...
    A vida se repete... E podemos e temos todas a munições para nos tornarmos amargos, mas lutamos contra isso. Queremos a brisa, a maresia, o vapor barato do verão...
    * Por coincidência, hoje por duas vezes o presidente bossa-nova cruzou o meu caminho.
    :)
    Bom fim de semana!
    Beijus,

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  9. Ah, Calu... a vida era bem diferente, nessa alegria de criança.
    E o fecho com esse poema lindíssimo é supimpa ;)

    bj amg e bom fim de semana

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  10. Ah Calu, somos contemporâneas, amiga, vimos e vivemos tudo isso, um tempo de alegrias, música no rádio, novidades chegando devagar, mas eram comemoradas, pois cada pequena obtenção material era um grande feito para nossos pais. Lembro-me como a vida era mais difícil para se ter coisas dentro de casa, uma simples calça jeans, na época a Lee, dos meus tempos de adolescência, não era fácil obter, e era cara, mas quando a gente conseguia, havia uma celebração, uma alegria em tudo.
    Hoje, compramos qualquer coisa ali na esquina e parece que tá sempre faltando algo, e quando obtemos algo que tanto almejamos, a correria dos dias, não nos deixa celebrar alegremente.
    O presidente bossa-nova tinha um sorriso simpático, realmente trazia nele confiança e nossos pais sentiam isso na vida.
    Viajei contigo, desde a imagem à poesia tão linda! Obrigada por este momento lírico e de doces lembranças!
    beijinhos cariocas e
    um lindo outono!


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Teu comentário é o fractal que faltava neste mosaico.
Obrigada por tua presença querida!