quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Efeito Paralisante


De uns tempos para cá tenho ouvido uma declaração repetida.Veio de bocas amigas.Veio de corações irmãos. Ecoou, reverberou e me calou ao saber que o mesmo efeito se dava com elas: "não conseguir falar sobre algo". Um efeito potente que paralisa a voz, a emissão de sons.Os movimentos nada sofrem, não se alteram, somente certas vibrações da voz ao emitirem determinadas palavras. Não, não é nenhum fator puramente físico, mas que possui fortes ligações entre o que sei, o que sinto, e o que não consigo dizer.

Já senti isso.Já vivi isso.Não é agradável, ao contrário, é uma sensação de sufocamento estranhíssima que aparece quando se faz necessária a tal declaração. Mesmo não a proferindo, ela está presente bem á altura dos lábios, mas colada, não se solta dali. Parece ironia, palavras ocultas de propósito, mas afirmo, não é o que acontece de fato.É parecido como quando sonhamos que devemos correr, mas não saímos do lugar e uma ansiedade brutal toma conta daquele instante.Acordamos suados, com pulso acelerado que vai se acalmando ao nos vermos acordados, livres daquele pesadelo. 

O que assusta é quando temos a certeza de que não é sonho, mas a dura realidade, que se impôs através de um triste diagnóstico e pela fala de um profissional. Quantas pessoas tem vivenciado uma história assim? Muitas.A minha se deu através da doença de minha mãe.Passei meses sem conseguir relatar às pessoas amigas qual era o real estado dela. A simples menção de todos os detalhes me emudecia de uma tal forma que devo ter passado por uma insensível mal-educada. Mas, simplesmente eu não conseguia me expressar sobre os acontecimentos, nem em minha casa eu detalhava  algo. Levei anos com esse sintoma e até hoje não me livrei totalmente dele, e gelo quando vejo-o manifestado em alguém, ainda mais quando este alguém é querido(a).

Uma perguntinha de praxe, completamente inocente,tipo: __ Como vc está? 
Desencadeia a resposta indesejada: __Não vamos falar disto agora.Outro dia eu te conto... 

Pronto! Tá selada a sentença ou melhor, tá excluída a legenda, mas a gente sabe ler nos olhos, nos gestos, no toque e eles falam em alto e bom som.Os sinais são legíveis à beça.Mesmo  dando um sorriso amarelo de vamos em frente, o ar pode ser cortado à faca ( expressão antiga), e na tentativa de seguir conversando permanece acima das nossas cabeças um letreiro em néon vermelho piscante : Algo vai mal." 

O assunto fica ligeiro e a gente se despede com um amargor na boca. Na nossa, que não teve como invadir uma seara murada pelo sofrimento, na dela que retém neste sabor toda a quantidade de palavras não ditas. Os passos na calçada vão ressoando questões: "será que devo correr até ela e, ajudá-la a se abrir?" Mas, em seguida minhas próprias lembranças me tocam e eu percebo que de nada adiantará isto.A palavra tem de vir na hora em que o coração ou a alma ou a razão, libertá-la. Não basta querer falar sobre algo é preciso poder fazer isto. 
***** 
Imagem: tumblrgbn3v

22 comentários:

  1. Oi Calu, há tempos não venho por aqui para uma café. Pois seu post disse tudo pelo que estou passando e esta frase: "Não basta querer falar sobre algo é preciso poder fazer isto". Também.

    Pensei que fosse somente eu que me cobrava ser uma pessoa irrascível, mal criada, rude, etc. Mas como é bom saber que sou humana e que todos passam por isto.

    Abraços

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  2. Ralmente xará,Há momentos em que precisamos desabafar ,
    sermos rudes e jogar aquilo que para nós estariam nos incomodando.
    O desabafo é um sensação de alivio mas,às vezes se torna complicado
    criando inimigos que um dia foram nossos amigos!Creio que ajudar alguém
    que necessita colocar algo que esteja engasgado será sempre um gesto plausível.
    Estou de pleno acordo com você amiga.

    Bjs.
    Carmen Lúcia

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  3. Realidade pura essa!

    Por vezes ficamos trancadas, não sai nem entre uma só palavra. Uma sensação desastrosamente ruim.

    E, se notamos que é assim com outra pessoa, infelizmente não podemos fazê-la falar e despejar. Na hora certa, salta, nem que iniciar por lágrimas.Aliás, aí, até fica mais fácil...Por vezes, um papo "molhado" faz bem! beijos,chica

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  4. Oi Calu ,

    Seus textos sempre me emocionam e esse me levou ás lagrimas. Lembrei que na época que meu pai faleceu eu detestava falar no assunto. Me calava diante de perguntas, mudava o rumo do caminho pra nao esbarrar em vizinhos ou conhecidos. Fui mal educadas varias vezes.

    Algumas pessoas nao entendem, né? Nao as culpo. Mas nao sinto nenhuma culpa pelas vezes que ignorei o " querer saber" dos outros sobre a minha dor e da minha mae.

    Beijos!!!!

    Selma

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  5. Querida Calú,
    nessas horas em que a gente cruza com pessoas queridas que se isolaram no interior pessoal, a única coisa que eu acho viável fazer é mostrar disponibilidade.
    Falo: -Você sabe que se precisar, sou boa ouvinte.
    Não forço a barra porque há pessoas que preferem o silêncio à palavra, e há que respeitar o livre arbitrio.
    Por vezes, os silenciosos não conseguem organizar os pensamentos ao ponto de manifestá-los, dai a comunicação muda. No entanto, o corpo também fala e a gente percebe os ombros caidos, o torax fechado, a falta de vitalidade. Podemos também em silencio simplesmente falar: -Me dá um abraço demorado e em pensamento enquanto abraça, imaginar que você está doando energia e amor a quem precisa.
    É assim que eu faço.
    Beijinhos.
    Rute

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  6. Oh, como escreve bem esta minha amiga!
    Texto primoroso e muito claro sobre este assunto, pois nós mesmas vivenciamos algo assim neste ano que se vai. Como ainda é difícil falar da pessoa ou com aqueles que estiveram envolvidos no drama! E sinto que o mesmo ocorre com seus familiares, pois deve doer ainda tanto a ausência, a lembrança daqueles meses terríveis, do choque da constatação final. Eu compreendo plenamente o que eles sentem, e respeito, por isso aguardo um dia, quando a ferida estiver cicatrizada e possamos nos falar normalmente.
    Entendo também que o silêncio é a melhor forma de deixar passar o tempo para que as dores passem, foi assim quando meu pai se foi, porque eu não aguentava sequer ver uma foto dele ou que alguém falasse comigo sobre ele, lembrasse de sua figura que era muito carismática. Eu sei como dói e por isso respeito todos que estão nesta situação.
    Obrigada por escrever tão claramente sobre este assunto, porque eu também sinto necessidade de me expressar algumas vezes sobre isto.
    um grande abraço carioca



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  7. E sabemos que falar é a melhor opção nesses momentos, um desabafo, uma abertura, permitindo compreensão e abrigo. Mas quando as pessoas não o desejam só podemos mostrar que estamos disponíveis. Não há como forçar uma confidência, ou um esclarecimento, por mais que estejamos dispostos a mostrar solidariedade e oferecer carinho. Bjs.

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  8. Oi Calu, bom dia!
    Já passei por isso, aliás por várias vezes... entre elas, qdo o meu pai ficou mt doente e dps veio a falecer e qdo eu descobri que não podia ter filhos, não conseguia falar com ninguém sobre o assunto porque dava um nó na garganta e eu desandava a chorar... hoje já consigo falar mais abertamente sobre o assunto, mas não sem encher os olhos de lágrimas, mas elas já não rolam como antes... as pessoas cobram, a sociedade cobra, até os amigos e familiares, mas posso dizer que hj sei lidar mt bem com eles. Da minha dor dou testemunho pq não há luta sem dor, é uma luta diária com a certeza da vitória! Deus é maior que tds os nossos problemas! :))
    Ótima quinta pra vc!
    Bjsss
    Sileni
    www.viveraprendendo.com

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  9. Good Morning Calu,

    Very great post.
    I'm speechless.
    If all people has kindness, generosity, good behave,sweet,sense of charity, sense of respect, senses of LOVE. the earthly journey will be as like in Paradise.
    In the reality isn't Paradise.
    what we can do only patient and pray.
    it is hardly really...;(

    have a great day Darl

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  10. Minha querida Calu,

    Gosto da forma pela qual você desenvolve um assunto, clara e precisa...gosto de seu jeito de escrever.

    E este assunto é delicado e me parece que acontece com muita gente, né? Comigo aconteceu quando meu pai faleceu e eu havia bloqueado esta lembrança até o dia de hoje, me envergonhava de minha atitude na época...

    Sabe, amiga, quando retornei à minha cidade, pedi a uma amiga que falasse a todos os amigos que eu não queria ninguém me dando "pêsames", nem tocando no assunto...custei a voltar a dar aulas, com medo de que alguém me falasse sobre isto.

    Hoje considero que foi uma infantilidade da minha parte, mas acredito também que era uma espécie de "barreira" contra a Dor enorme, imensa,

    Bjssssss,
    Leninha

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  11. Calu! hello! so nice to see you here again. sometimes people need a long time to heal or to deal. i had a husband die, years ago and it took me 4 years to come to grips with it. 4 years. wow. he has been gone 21 years now. still miss him even-tho my current husband and i have been married 12.5 years.

    thank you for your well wishing on my new camera. sooooooo excited to get it doing it's THANG! [pardon US slang for 'thing'] lol

    (hug)

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  12. Calu,
    ás vezes é tudo tão angustiante, que fica impossível falar! Sei bem o que é isso, só após cinco anos estou conseguindo colocar para fora todo o meu sofrimento. Sem parecer concurso de quem sofre mais, eu perdi meus pais, meu marido e duas tias muito próximas em um período de 10 meses, impossível falar!
    bjs
    Jussara

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  13. Olá!Boa tarde!
    Calu
    Tudo bem?
    Texto primoroso.
    Li atentamente. Sem me ater ás patologias e à todo um histórico que pode estar atrás de um silêncio, eu penso que muitas vezes nos calamos quando deveríamos falar e falamos além do necessário quando o recomendável seria permanecer em silêncio.E assim deixamos transcorrer o tempo permanecendo taciturnos e “fechados” em nosso orgulho, enraizando na alma a nossa intransigência, nossa amargura e, sem nos darmos conta, quando chega a nossa vez de dar um basta em tudo, simplesmente nos calamos. Calamos-nos muitas vezes por conveniências, e se nos conscientizarmos mais do quão a vida é curta, efêmera, certamente pensaremos melhor antes de jogar fora as oportunidades que nos são dadas para sermos felizes,desabafando, e de também nos dedicarmos a promover a felicidade dos outros...ouvindo os desabafos...
    Obrigado pelo carinho,tá?
    Ótima sexta feira!
    Beijos
    ClicAki Blog(IN)FELIZ

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  14. Olá Calu,
    Eu sei muito bem o que é isso.
    Há muitos anos passados eu estava grávida de oito para nove meses e perdi o bebe. Cordão umbilical. Passei por um momento difícil, pois minha irmã estava grávida e eu com medo de comentar, chorar, lamentar guardei tudo... Também tinha minha filha mais velha que esperava uma irmã...Difícil...Depois fui fazer terapia e chegou num ponto que eu detestava ir, pois queria esquecer tudo e tinha sempre que voltar ao assunto.
    Hoje vejo de uma forma diferente e penso que o tempo é a melhor cicatriz para tudo e todos os acontecimentos parecem ser vistos de forma mais branda.
    Fique bem e bom final de semana.
    Beijos mil

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  15. Calu, seu texto me levou a refletir o que tenho vivido através das crises de síndrome de pânico.
    Não tem sido fácil!!
    Infelizmente, agora que eu mais preciso, é quando me senti abandonada por pessoas que eu julgava serem amigas.
    Desabafo mais aqui entre os amigos "virtuais", que sinto mais reais do que os reais.

    Já segurei emoções, dores, lágrimas, e isso só me prejudicou.

    Mas vamos que vamos minha amiga, nada é pra sempre.
    A alegria ainda há de imperar.

    Me perdi, melhor parar por aqui.
    :)

    Beijos enormes pra ti, de coração pra coração.

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  16. Bom dia,Calu!!

    É horrível quando não conseguimos falar de algo...fica travado,engasgado...
    Mas o tempo ajuda...e tudo vai serenando...Assim esperamos sempre,né?!
    Lindo texto,belíssima profundidade!
    Beijos,minha amiga!

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  17. Quem já não se sentiu "amordaçada" pela dor? E não passa apenas por motivos de saúde (ou a falta dela), mas também por coisas do coração. Momentos que se foram e que nos custam resgatar, que são impossíveis resgatar. Costumo dizer que "a boca cola". É como se ao ouvirmos nossa voz, toda a dor volte a nos ferir. Quantos às outras pessoas, cada um tem seu tempo e só nos cabe esperar.

    Calu, quanto á "divisão dos meus silêncios", só com pessoas especiais como tu ou a Betinha. No post abaixo, sobre o filme, eu queria dizer SOB o Sol da Toscana.

    Beijos e bom dia.

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  18. Ei Calu! mas tem coisas quee é realmente melhor nao falar, ne? Apesar de que há mts outras que se deve expor, pelo menos pras pessoas que pra nós, sao mais importantes. Ahh eu falo, falo tudo ;-) e gosto mt mt mt mesmo de ouvir. Acho que isso faz bem aos dois lados.

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  19. falar de alguma forma traz conforto e cura.

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  20. Calu, a angústia toma uma dimensão enorme dentro de nós que se formos contar para alguém, não sabemos por onde começar. Ela, para além da dor, há algo que clama em nós e nos aponta para alguma verdade. Somente o tempo para diluir essa angústia.
    Quem de nós tem o previlégio de se ausentar de si mesmo, como quem dá um tempo da própria vida e adia o sofrimento?
    Na verdade, estamos sós com tudo aquilo que amamos.
    Beijus,

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  21. Calu, sinto-me assim, com as palavras fluindo em profusão mas aprisionados de alguma forma e isso sem dúvida é sufocante. tenho pedido muito a Deus que me capacite para poder sentir finalmente a liberdade da expressão (e da alma).
    Um abraço!

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  22. Olá Calu,

    Um foco bem interessante.
    Creio que muitos já tiveram ou vivem um momento assim, em que as palavras não ultrapassam as barreiras da voz. Certos assuntos são tão difíceis de serem tocados que chegamos a bloqueá-los, o que nos faz muito mal. Quantas vezes queremos falar, colocar para fora, mas as lágrimas pulam indesejadas e as palavras se ausentam. Respeito o silêncio dos que se sentem assim, mas sempre demonstro minha disponibilidade para ouvi-los quando desejarem falar.

    Beijo.

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Teu comentário é o fractal que faltava neste mosaico.
Obrigada por tua presença querida!