quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A musicalidade que nos habita - canção de apoio










Quanto mais me aproximava  maior se fazia a sonoridade; simpático ritmo misturado em voz e batuques, repiques surdos na cadência da melodia desconhecida.O entusiasmo do cantante ecoava além dos metros, fora da visão e, trazia o riso de mão dadas com aquele refrão. Nas travessas cruzadas em aparente solidão só o vento brando mexia as ramadas, só o sol a pino rebrilhava o chão, sombras esticadas ressoavam nos passos, uma piaçava deslizava em auxílio da melodia ecoada, uma voz falava, um gato espreitava de cima do muro aquela estranha ocasião.E o som crescia na voz animada.Parecia um conjunto em ensaio pra festa programada.Mais uns passos, próxima esquina enfim revelada e eis que surge ao rés da calçada o alegre cantante de espátula em mãos, alisando o cimento novo do passeio aprontado, soltando a plenos pulmões sua original composição, melodia dançante, trilha de apoio ao esforço, som que brota do coração.


No instante que assisti a cena acima me lembrei das chamadas canções de apoio ao trabalho, nascidas, muitas das vezes, do sofrimento impingido aos povos escravizados, que cerceados até em seus lamentos viam nas composições melódicas forma e força pra suportarem suas desditas.Conta-se que muitos criavam conversações através de melodias com versos originais que misturavam sua língua natal com a dos seus senhores, criando uma linguagem própria e inacessível aos feitores e demais vigilantes.Os refrões, geralmente tinham caráter religioso, numa clara invocação de ajuda aos céus e que de certa maneira também cifravam as intenções dos cantantes.Alega-se que estas canções foram as sementes de muitos outros estilos na musicalidade mundial, como o spiritual, melodias em tom manso com andamento meditativo que os afro-americanos no período da escravidão, cantavam à capela em feitio de oração( parafraseando Noel).Apesar da conotação religiosa, certas canções ganhavam códigos/ expressões abolicionistas que mostravam aos escravos caminhos para sua fuga.

Dar-se um título, um intento/dedicação, faz parte da história da música desde a antiguidade clássica; música de festa, música de câmara, música fúnebre, odes musicais... e sabemos o quanto a lista é longa e fértil.Nós mesmos(as) não nos cansamos de aumentar a nossa própria lista, nossa trilha sonora particular que tanto alento nos causa.Tenho visto recorrentemente pela blogosfera muitas BCs  sobre a música em nossas vidas, destacando este ou aquele tema de preferência com grande adesão, afinal, somos feitos de silêncio e som( agora, Lulu) e, isto nos ajuda a traduzirmos emoções.


Às voltas com a musicalidade que me cabe, lembrei-me duma canção que faz parte da minha trilha sonora desde que foi lançada e nela permanecerá ad infinitum:






Andança

" Vi tanta areia, andei.
Da lua cheia, eu sei.
Uma saudade imensa...

Vagando em versos,vim
 vestida de cetim,
Na mão direita, rosas,
vou levar...

Olha lua  mansa a se derramar,
Ao luar descansa meu caminhar.
Seu olhar em festa se fez feliz,
Lembrando a seresta que um dia eu fiz;
Por onde for quero ser teu par.

Já me fiz a guerra por não saber
que esta terra encerra meu bem-querer
e jamais termina o meu caminhar,
Só o amor me ensina onde vou  chegar;
Por onde for quero ser teu par..."

(Paulinho Tapajós/ voz: Beth Carvalho)



¨¨**¨¨**¨¨





Imagem: cinemagraph

17 comentários:

  1. Querida Calu
    Mais uma de suas interessantes postagens, amiga
    Eu pessoalmente sou movida à música...rs
    Obrigada pelo gentil comentário lá nos Bichinhos.
    Te desejo uma tarde feliz!
    Um grande abraço de
    Verena e Bichinhos

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  2. Lindo,Calu ! A musicalidade pode ser vista e ouvida/percebida por onde passamos.

    Olhando pra essa imagem, me veio o som, a música dos nossos passos sobre as folhas...

    Pra tudo se estivermos atentas, há um som. Um que marcou minha vida até hoje é o que chamo de som do cemitério...

    Ninguém entende, mas para mim ´é o caminhar sobre as pedrinhas de cascalhos do cemitério local, naquele silêncio dolorido e brutal, ao acompanhar minha irmã ao túmulo.

    Olha fazem muitos e muitos anos( foi em 1964) e ainda ouço até hoje a cada vez que piso nos cascalhos aquela triste melodia! Mas ainda bem que temos as outras, alegres, como o som da maternidade!

    Tua música de vida é linda também! beijos,chica

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  3. Oi Calu! Que excelente texto e tema que escolheu! A música faz parte da vida de gente,creio que cada um tem um tema musical de sua vida e sempre existem as canções que nos tocam mais profundamente. Achei lindo ver " Andaça" por aqui,do saudoso Paulinho Tapajós! Obrigada por ceder seu texto,viu? Assim que postar te aviso. bjs,

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  4. Oi Calu!
    Como é bom encontrar alguém que trabalha cantando...
    Sou capaz de apostar que seu olhar em festa se fez feliz.

    Abração
    Jan

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  5. Adorei a imagem outonal e essa música é linda, enquanto lia ouvia a Beth Carvalho cantar.
    Abraço!
    Sonia

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  6. Eita lelê! Começou o post com uma imagem espetacular, fiquei tempo olhando e curtindo, o texto e as reflexões maravilhosos, a envolvência da nossa humanidade com a música, os tempos dos escravos e as cantigas deles como um código secreto e acabou o post com a minha música predileta, a música que tocou minha juventude, cantava em coral com a irmã e com duas amigas. Era cantoria quase todo o dia e esta música era nossa predileta, não só pela melodia belíssima, mas pela possibilidade de juntar duas ou mais vozes, adooooooooooro, canto até hoje no banheiro esta música. rsss
    Só digo uma coisa pra terminar, "Por onde for, quero ser teu par". rsss
    um beijo carioca minha amiga mais do que querida.

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  7. Bom dia, Calu. Essa canção é maravilhosa, tanto em letra como em melodia.
    Nada melhor do que caminharmos com o ensinamento do amor.
    A vida é cíclica, e se não soubermos como vivê-la, faremos de nosso andança um peso muito grande.
    Adorei.Tenha um fim de semana de paz.

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  8. A imagem é linda demais.
    E que a gente possa caminhar cantando e seguindo a canção.
    bjokas =)

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  9. Calu, lembrei-me de uma linda história que li que falava sobre uma pequena aldeia africana onde, quando nascia um bebê, ele ganhava uma canção só dele, feita pela mãe, nascida e brotada do coração, do amor ao seu pequeno rebento.
    E a tua música ad infinitum... é pra lá de especial!
    Beijo

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  10. Oi Calu, que imagem linda para abrir seu post!
    Adorei o texto também, me fez lembrar de uma palestra de Kaká Werá contando que nós somos música que nasce do coração de nossos pais e se transforma em uma pessoa.
    Essa música me acompanhou por toda a adolescência, linda demais!
    Bjs querida e ótimo final de semana

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  11. Olá,Boa noite, Calu
    ...às voltas com a musicalidade que me cabe, lembrei-me duma canção ♪♫♩♫Nós somos medo e desejo Somos feitos de silêncio e som Têm certas coisas que eu não sei dizer...” Certas coisas Lulu Santos...Por mais que nós tentemos dar conta, o desencontro prevalece e as palavras faltam. E no fim percebermos que tem certas coisas que não sabemos dizer. Mas, essa ausência de som pode nos revelar algo . Assim, frente à frente a esse ser que somos , ouvimos o silêncio em seus efeitos...e é esse vai e vem de sons e silêncios que nos faz buscar o que queremos. É o que nos traz ritmo de vida....
    Imagem linda e bela música...
    Obrigado pelo carinho, belo final de semana, beijos!

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  12. Boa tarde Calu, que maravilha o seu "post"!
    Em boa verdade nunca tinha pensado que a musicalidade nos acompanha desde sempre! Sobre o trabalho dos escravos e a música que entoavam lembro-me que na pequena aldeia aonde nasci e mesmo por todo o Portugal, os trabalhadores do campo entoavam canções e sons para ganharem forças para as fainas bem difíceis, recordando entre outras a apanha da azeitona em pleno inverno em que os trabalhadores logo de madrugada para vencer o frio saiam da aldeia a cantar e também as ceifas do Alentejo no verão em que os trabalhadores entoavam cânticos calmos, arrastados, devido ao calor que queimava!
    O som que ainda hoje mais gosto e que trago comigo da infância é o murmúrio da água dos pequenos riachos, a saltar de pedra em pedra e a cair de pequenas cascatas;))!
    Lindas imagens e poema muito belo que não conhecia!
    Um beijinho e muito obrigada pelo carinho lá no sinais!
    Ailime

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  13. Olá, Calu! A música linda de Lulu Santos que citou faz parte da trilha sonora da minha vida. :D Não temos o costume de nos atentar às letras das músicas e relacioná-las com sua época... em períodos decisivos da história serviu como um canal poético de protesto, de revelar sentimentos, de mostrar a realidade em forma de código... que bom termos a música, afinal.
    Andança é de uma força e beleza poética indescritíveis!
    Um abraço!

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  14. Oi, Calu!
    Por coincidência estou ouvindo "Música Serve Pra Isso", (Os Mulheres Negras):
    "Microondas, avião
    Cumpra a sua função
    Calme um coração que sangra
    Com uma prova de carinho
    Ou pedaços de lembranças
    A voz de alguém num instante"
    Música serve para tomar banho, música acompanha um momento conflitante, tem música de elevador, de restaurante... música serve para todos os instantes, bons e ruins, preenche lacunas ou nos leva para longe. Música de protesto, música pacífica... Chama os orixás, homenageia santos, espanta fantasmas... Os negros usavam sua arte para minorar as atrocidades da escravidão, suas necessidades e causaram tanto espanto e admiração que os brancos ouviam escondido, tanto é que na atualidade, a música negra repercute em nossos ouvidos para onde vamos Blues, Jazz, Soul, rock and roll, Rap, Hip-Hop, samba, entre outros gêneros, que sempre me pergunto o que seria da música se não fossem os negros.
    Paulinho Tapajós era um poeta de infinita grandeza e uma parceria com Edmundo Souto e Danilo Caymmi tinha que resultar na linda canção que faz parte da sua trilha sonora e de muitos brasileiros.
    Beijus,

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  15. Uma maravilha de post, com um poema lindo, que eu não conhecia!
    Bjs

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  16. Olá Calu!
    "... e jamais termina o meu caminhar,
    Só o amor me ensina onde vou chegar;"

    E estamos conversados.

    Amei o post.
    Bjs
    Marli
    Blog da Marli

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  17. A música alivia a alma, limpa tristezas, dá forças para a labuta. Serve para todas as ocasiões. Fui ao youtube ver que melodia é esta que faz parte da sua banda sonora, Calu. Gostei de ouvir. Obrigada por partilhar.
    Muitos beijinhos, obrigada pela sua presença assídua lá no meu cantinho.
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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