sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Das coisinhas tidas








Estes tempos de incertezas aumentam as precauções até com os pequenos acontecimentos, focando a  atenção a certos cuidados básicos. Por isso e mais, trago sempre um guarda-chuva na bolsa, outro no carro. Penso que assim estarei prevenida pra qualquer contratempo do clima, e  perco o número de vezes que fui pega em chuvaradas ventosas de dobrar o frágil apetrecho que tenha em mãos.Aquele, que achei me protegeria da intempérie, seria abrigo e, qual o quê, mostra-se ineficiente como tantas outras coisas cotidianas em que depositamos a máxima confiança de uso e nos deixam na mão. Faz parte das inconstâncias.Diz uma amiga que isso serve pra destrancar os cadeados que colocamos nos dias e mostrar-nos que por mais que planejemos, a vida sempre segura o lápis por cima da nossa mão e conduz o desenho.Então, creio ser melhor, rirmos ensopadas de chuva aproveitando o momento-criança para sair chutando a poça d'água, sem esquecer de agradecer aos céus o bendito aguaceiro.
Como repete muito o marido: "Chuva fina não me molha. Sereno não vai me molhar( ditado popular).E neste cenário é mais adequado a gente exibir um guarda-chuva cinematográfico e sair por aí, de preferência,cantarolando.



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Crônica de Rubem Braga maio 2014 trecho 

Já tive muitas capas e infinitos e guarda-chuvas[...]

Pensando bem, ele talvez derive do fato, creio que já notado por outras pessoas, de ser o guarda-chuva o objeto do mundo moderno mais infenso a mudanças. Sou apenas um quarentão , e praticamente nenhum objeto de minha infância existe mais em sua forma primitiva. De máquinas como telefone, automóvel, etc., nem é bom falar. Mil pequenos objetos de uso mudaram de forma, de cor, de material; em alguns casos, é verdade, para melhor; mas mudaram.
O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas. De junco fino ou pinho vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele se tem mantido digno.
Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o homem já inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante.
Já na minha infância era um objeto de ares antiquados, que parecia vindo de épocas remotas, e uma de suas características era ser muito usado em enterros. Por outro lado, esse grande acompanhador de defuntos sempre teve, apesar de seu feitio grave, o costume leviano de se perder, de sumir, de mudar de dono. Ele na verdade só é fiel a seus amigos cem por cento, que com ele saem todo dia, faça chuva ou faça sol, apesar dos motejos alheios; a estes, respeita. O freguês vulgar e ocasional, este o irrita, e ele se aproveita da primeira distração para fugir.
Nada disso, entretanto, lhe tira o ar honrado. Ali está ele, meio aberto, ainda molhado, choroso; descansa com uma espécie de humildade ou paciência humana; se tivesse liberdade de movimentos não duvido que iria para cima do telhado quentar sol, como fazem os urubus.[...]




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11 comentários:

  1. Que texto lindo, Calu - seu e de Rubem Alves, do qual sou fã confessa. Sabe, ainda hoje costurei três pontas da minha sombrinha que haviam pulado numa dessas chuvas da vida. Escolhi uma sombrinha verde limão de melhor qualidade achando que seria mais resistente - qual nada! kkk Deve ser a tal mão que escreve sobre a nossa todo dia para nos lembrar o que é humildade. Fiquei imaginando o trecho onde Rubem fala da paciência do guarda-chuva em ficar secando, hahaha! Abraços!

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  2. Muito lindas as tuas palavras e a crônica de Rubem Braga. Tudo faz pensar e nos leva a ver que nem sempre estamos preparadas para as "chuvas" que recebemos...Bom é quando conseguimos ,mesmo molhadas, ainda brincar! bjs, lindo fds! chica

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  3. E já que é a vida que sempre segura o lápis por cima de nossas mãos, vamos mesmo molhados, conseguir sorrir como colocou a Chica.
    Beijo!

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  4. Tudo a ver com o tema de hoje da Blogagem coletiva proposta para o primeiro sábado de cada mês por mim e Ana Paula
    Adorei a crônica e o paralelo com seu contar pessoal
    Nunca gostei de sobrinhas
    Preferia a chuva
    A fina sem problemas
    Os aguaceiros, ia por perto da parede acreditando molha menos, paradinhas sob orelhões, bancas, marquises...ou debaixo do cacau caindo como se diz por aqui e em casa banho quente e tudo torcido, espalhado e pendurado pra secar com o dizer de que água do céu é benta e minha mãe reclamando e fazendo ode as sombrinhas

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  5. Calu, verdade. O guarda-chuva é um velho conhecido de todo mundo, embora os homens mesmo relutem tanto em usá-lo. As sombrinhas, como as mulheres, são inconstantes e variáveis (rs), quase não gostamos das grandes, que não se articulam, pois estas cabem numa pequena bolsa, aliviando-nos as mãos.
    Guarda-chuvas e sombrinhas lembram-se dias em que não podíamos sair de casa para o lazer, só para o dever (trabalho e escola, por ex.) Sair "para passear" em dia de chuva? Proibidíssimo! Custei a me acostumar a sair com chuva.
    Beijo e boa semana.

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  6. O texto é lindo Calu, fez-me logo lembrar a "serenata á chuva" "Singing In The Rain"
    Bjs

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  7. Querida Calu, o seu post recordou-me que tenho 3 guarda-chuvas no carro e todos eles meio empenados, com uma vareta partida, etc. Cada vez que chove, penso que tenho que comprar um novo, mas depois a chuva passa e eu deixo de pensar nisso...
    Agora as sombrinhas, que pensei estarem em desuso, reencontrei-me com elas na China, onde as meninas gostam de peles claras pelo que se protegem do sol com guarda-chuvas muito floridos e femininos, sobretudo no sul que é muito mais quente.
    Portanto, ainda há coisas da nossa meninice perdidas por este mundo de Deus.
    Beijinhos, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  8. Realmente, ficamos na chuva com ou sem eles. As chuvas de vento nos pegam por todos os lados e assim tem sido nestes últimos tempos. Ah! sou eterna fã de Rubem.

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  9. Você, seu coração, aqui!

    http://ladodeforadocoracao.blogspot.com.br/2015/10/o-armario-da-menina.html

    Beijo!

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  10. Boa noite Calu,
    Excelente a sua apreciação sobre este nosso amigo guarda-chuva que, tantas vezes, o vento leva (ou quebra as varetas) e nos deixa tão desprotegidas, com a roupa colada à pele como se tivéssemos caído num imenso charco...Aconteceu comigo aqui em Março passado;))! Ninguém pode afirmar que está imune às surpresas da vida.
    Não pude deixar de sorrir ao ler a crónica de Ruben Braga quando diz "Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o homem já inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante."! Todo o texto é escrito de forma fabulosa e com sentido de humor!
    Nunca tinha pensado nestes aspectos e achei magnificas ambas as crónicas.
    A foto que escolheu não podia ilustrar melhor!
    Um beijinho.
    Ailime

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  11. Ahhh eu também sou dessas! Em várias bolsas tenho lá um guarda-chuva por baixo de tudo. Não se se é precaução ou medo de me ensopar, mas agora fiquei achando aqui tudo isso uma tremenda besteira. Vou tirar todos e esperar de braços abertos a próxima chuvarada. Deu-me uma vontade enorme de sair por aí debaixo d'água, talvez seja pelo dia quente de hoje, mas o fato é que estou sempre me cuidando. Então, acho que está na hora de me molhar um pouco.
    E esta observação que o Braga fez de que 'é algo ridículo e fúnebre' também já pensei assim quando vi homens andando em dias de sol com guarda chuva preto imenso. Não entendo o que aquilo cobre, já que o preto absorve mais os raios solares, enfim ...
    Adorei!
    beijos cariocas


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Teu comentário é o fractal que faltava neste mosaico.
Obrigada por tua presença querida!