(Visão – crônica de Rubem Braga/excerto)
"No centro do dia cinzento, no meio da banal viagem, e nesse momento em que a custo equilibramos todos os motivos de agir e de cruzar os braços, de insistir e desesperar, e ficamos quietos, neutros, presos ao mais medíocre equilíbrio – foi então que aconteceu. Eu vinha sem raiva nem desejo – no fundo do coração as feridas mal cicatrizadas, e a esperança humilde como ave domestica – eu vinha como um homem que vem e vai, e já teve noites de tormentas e madrugadas de seda, e dias vividos com todos os nervos e com toda a alma, e charnecas de tédio atravessadas com a longa paciência dos pobres – eu vinha como um homem que faz parte da sua cidade, e é menos um homem que um transeunte, e me sentia como aquele que se vê nos cartões-postais, de longe, dobrando uma esquina – eu vinha como um elemento altamente banal, de paletó e gravata, integrado no horário coletivo, acertando o relógio do meu pulso pelo grande relógio da estrada de ferro central do meu país, acertando a batida do meu pulso pelo ritmo da faina quotidiana – eu vinha, portanto, extremamente sem importância, mas tendo em mim a força da conformação, da resistência e da inércia que faz com que um minuto depois das grandes revoluções e catástrofes o sapateiro volte a sentar na sua banca e o linotipista na sua máquina, e a cidade apareça estranhamente normal – eu vinha como um homem de quarenta anos que dispõe de regular saúde, e está com suas letras nos bancos regularmente reformadas e seus negócios sentimentais aplacados de maneira cordial e se sente bem disposto para as tarefas da rotina, e com pequenas reservas para enfrentar eventualidades não muito excêntricas – e que cessou de fazer planos gratuitos para a vida, mas ainda não começou a levar em conta a faina da própria morte – assim eu vinha, como quem ama as mulheres de seu país, as comidas de sua infância e as toalhas do seu lar – quando aconteceu[...]"
Assim também ia o dia daqueles que desenhavam com crayons marcantes os diferentes cotidianos da espécie humana em suas variantes matizes, quando aconteceu...
Não intimidar-se, mesmo diante da tragédia imposta, é a resposta democrática que o povo francês dá ao mundo.
Oi Calu!
ResponderExcluirPrimeiro de tudo, Feliz novo ano e feliz vida.
Andei meio "reclusa" de quem esteve "recluso" na Coluna por esses feriadões passados. Respeito o mundo virtual como respeito o mundo do lado de cá da tela, não invadirei a paz de quem se reclui para a paz.
Teu título me chamou bem a atenção e aqui estou de volta ao seu Fractais, à sua casa.
Esse excerto é tão interessante porque é uma crítica ao comodismo da rotina do ser humano. Pelo menos é assim que eu o interpreto.
Por ser uma pessoa totalmente fora dos padrões que a sociedade impõe e ter uma raiva mortal de autodefinições e definições como a Simone de Beauvoir, a minha liberdade incomoda a grande maioria.
Por eu não ser a pessoa que nutre as expectativas alheias e ter escolhido, depois de duras penas, a liberdade de ser quem sou, o preço que paguei e venho pagando não tem sido fácil. Pode parecer utópico pra quem vive de rotina, mas para mim, é um preço que está valendo a pena ser pago, por mais sofrido que esteja sendo este trajeto. Ainda acredito que as coisas podem melhorar, mesmo que eu não esteja mais aqui para apreciar isso.
Chocante o que aconteceu na França, gostaria de conseguir, diante de tudo isso, ainda acreditar no Bem como Caio Fernando acreditava.
Beijos.
O que assistimos foi triste, revoltante, inacreditável! bjs praianos,chica
ResponderExcluirAinda estou sem palavras!
ResponderExcluirBjs
Olá Calu, td bem? Sou Aline. Achei fantástica a reação do povo francês, acredito que se nós brasileiros também não se deixasse intimar o nosso pais estaria me melhores condições. Quando puder passe no meu cantinho - Aline (in)delicada.
ResponderExcluirO mundo ocidental estremece, cada vez que um atentado absurdo como este o atinge. A onda de solidariedade em forma de cartoons chegou ao Brasil? Por aqui não se fala de outra coisa... Gostei muito do excerto que a Calu escolheu.
ResponderExcluirAbraço, por um amanhã melhor
Ruthia d'O Berço do Mundo
Que belas ilustrações para homenagear,
ResponderExcluiraqueles que não se submetem ao medo diante da força estranha e bruta.
Onde anda a paz que sonhamos?
Bela postagem Calu.
Bju de paz.
Você tirou da cartola um belo exemplar para ilustrar um acontecimento tão brutal e que dificilmente deixa de intimidar .
ResponderExcluirbjs