sábado, 15 de novembro de 2014

Herança Afetiva





(*)


De repente, no meio do papo nos demos conta que todas nós estávamos nos queixando das heranças genéticas:" Minha mãe sofria disso, meu pai daquilo", e o elenco de dodóis só aumentava.Uma tinha sempre algo mais dolorido que a outra; pára tudo! Apesar de haver hoje a possibilidade de sabermos mais sobre nossos gens obtendo pré-diagnósticos sobre possíveis doenças hereditárias ( vide Angelina Jolie), o assunto ainda causa controvérsias e dispara questões sobre ética que precisam ser amplamente discutidas.

Caindo na gargalhada nos demos conta que encarnávamos as "marias-das-dores" e que abusamos da injustiça ao nos lembrarmos de nossos pais só pelo lado das mazelas genéticas.Ai, meus sais, argh!Corrigindo rapidamente esta visão torta fomos engatando a marcha na conversa e nas lembranças mais que felizes da infância, quando queríamos ser igual aos pais e como os tínhamos como heróis, o que não foge muita da verdade para muitos(as) de nós.Aí alguém chamou a adolescência pra roda e unanimemente concordamos que nessa fase nos esforçamos para sermos diferentes deles, os pais, negando suas maneiras, seus hábitos, para na juventude madura redescobrirmos que não há escapatória: a gente herda pelo menos, 50% das manias de um e de outro; como nossos pais.

Uma ri solto como a mãe, muito espirituosa, outra gosta de ficar junto a natureza sempre que pode, como o pai, uma terceira aprecia vinhos, hábito aprendido em casa, outra ainda, adora fazer reformas em casa, mania do pai;a esta amiga juntei minha lembrança na mesma medida.Meu pai era o reformador.Adorava uma obrinha fosse necessária ou apenas estética.Não passava um ano em que não houvesse uma quebradeira pela casa,rs. Minha mãe até se animava em princípio, mas logo que a poeira subia ela começava a reclamar e a desfilar pela casa de vassoura e esfregão atrás dos pedreiros que fugiam dela apavorados.

Nada como o tempo para nos fazer reviver momentos antes corriqueiros e agora tão significativos, tipo este no que me vejo cortando o bico da bisnaga quentinha e deixando nele derreter a manteiga, como fazia minha mãe ou saboreando a colher de arroz novinho e fumegante como minha avó adorava, ou ainda molhando pedacinhos de pão na beiradinha do prato de sopa de feijão, igualzinho a meu pai.Tudo tão familiar, tão simples e tão particular, tudo isso que me traduz equivalente e também diferente, sou eu, são eles, somos nós: como nossos pais.


***


" A família é o primeiro toque que recebemos no coração.Ele será definitivo. Acompanhará o nosso desenvolvimento humano.Será uma marca indelével."

( Pe. Fábio de Melo)



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*Imagem: pinterest/gorgeous



15 comentários:

  1. Cheguei a ver a cor da manteiga escorrendo derretida na ponta da tua bisnaga quentinha!
    Muito além dos queixumes, quanto herdamos...
    Há mesmo uma marca indelével deixada em nós por nossos pais, ainda que nem mesmo tenhamos o mesmo sangue deles!
    Beijo Calu!

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  2. Que lindas memórias Calu, é verdade herdamos deles muito mais do que imaginamos e não estou falando de genética…
    E realmente temos tendência a olhar somente para as coisas ruins, mas como você destacou no seu texto, há muitas coisas que nos tocam pela beleza e significado no meio dessa herança toda.
    Bjs

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  3. Olá, querida Calu
    Por incrível que pareça, hoje conversamos em família sobre as 'taras' genéticas... incluindo doenças... temperamentos...
    No final da nossa vida, percebemos o quanto temos MUITO do que condenamos ou criticamos nos demais familiares, outrora... (pode-se rir ou chorar na constatação)...
    Um abençoado fim e início de semana, amiga!!!
    Bjm fraternal

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  4. Que lindo e doce,Calu! Pude me sentir bem no quadro, pois aqui em casa as gurias dizem: Credo,mãe! Tu estás toda "podre", não vais mais no médico e assim como vamos saber o que teremos depois? Porque até agora, tudo o que tiveste, já está aparecendo em nós. E assim rola o papo que tento logo desviar,rs.


    Mas sempre mostro que não podemos ver só as doenças e sim as coisas boas que podemos passar! Adorei te ler! E as manias passam também,rs bjs, lindo domingo! chica

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  5. Parabéns pelo magnifico texto, inquestionavelmente correto à luz da ciência, mas leve, deliciosamente bem humorado!
    Bom domingo.
    Beijo da Nina

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  6. Olá, Calu, como vai? É mesmo curioso observar como somos oriundos dessa mistura entre os nossos pais. Sou inegavelmente mais parecida com meu pai, sempre ativo, sempre pensando, sensível... mas tenho da mãe o bom humor e a capacidade de resolver tudo que precisa rapidamente. Ai,,, pedreiros fazem uma bagunça, kkk, entendo sua mãe!
    Amei o post e que bom a conversa ter tomado outros rumos! Um abraço!

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  7. Também tô me lembrando, Calu! Minha mãe diz que sou igualzinha ao pai, até a mania de cismar com comida. Eu me acho igual à mãe dele: trabalhadeira, econômica, planejadora, que gosta de plantar (em qualquer sentido).

    Bjs e maravilhosa semana

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  8. Boa noite Calu, que texto abençoado! Como nossos pais, como cantava a saudosa Elisa Regina!
    Na verdade narra impecavelmente todos os detalhes, por que passamos ao longo da vida e nossos sentimentos em relação aos pais!
    E mais tarde como é enternecedor verificar que nos assemelhamos em cada pormenor a cada um deles,aos dois, aos nossos pais! Texto muito, muito belo a "Herança afectiva"!
    Beijinhos e uma boa semana.
    Ailime



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  9. Com sua forma coloquial nos coloca diante dos fios que nos tecem e que criam a tela de nossas vidas. Belo texto. As histórias familiares constituem a base do meu trabalho na clínica e confirmam sempre a importância de olharmos cuidadosamente para a repetição dos padrões que se repetem e são transmitidos através das diversas gerações. bjs

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  10. Calu, como isso é verdadeiro! Fazemos tudo que, na adolescência, censurávamos em nossos pais. Minha sobrinha, que agora é mãe, dá boas risadas quando seu comportamento é igualzinho àquele de minha irmã, que a irritava quando menina. Diz que é porque hoje a entende melhor (rss). A outra me falou, há pouco tempo, que eu estava parecendo minha mãe, no jeito de me acomodar no sofá. São pequenos detalhes, mas se nos ativermos a eles, veremos que fica tudo incorporado. Bjs.

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  11. E não é que é verdade. Como é que chegamos a isto?
    Um abraço

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  12. Olá Calu,

    Que prosa mais gostosa de ler.
    Costumo ter crises periódicas de dor de cabeça e inúmeras vezes lancei culpa à herança genética, pois minha mãe as tinha com frequência. Lembro-me bem dela colocando rodelas de batata na testa que, segundo ela, aliviava. Não sei se procede, pois nunca experimentei-rsrs. Tão comum esse papo em família. E as manias e maneiras de agir? Estamos sempre fazendo comparações por aqui e nesse rol entra pais,avós, tios, irmãos, sobrinhos, etc... Agora que li o seu texto lembrei-me de tantas coisas que tive que rir. Você narrou com propriedade o que se passa conosco com relação aos nossos pais no decorrer das diversas fases da vida, ora admirando-os, ora os contradizendo e ora agindo tal qual. Família é mesmo assim. É um laço que às vezes embaraça, mas que, no final, forma um belo laço de amor e união.

    Perfeito!

    Beijo.

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  13. Oi, Calu!
    Quando o meu pai faleceu, a minha personalidade ainda estava se formando, então as características que herdei dele são meramente genéticas. Mas até que ponto podemos desvendar o passado dos gens? Creio que os cientistas analisam caso a caso das doenças. Eu herdei algumas fragilidades físicas de minha mãe, no entanto, há quem diga que a minha humildade veio de meu pai. Meu filho, sem o conhecer, porta todos os gostos e afinidades artísticas. Como explicar essa transferência sem convivência? Não quero entrar no campo das religiões, mas a nossa eternidade se perpetua enquanto os nossos genes estão vivos. Mais um motivo para procriarmos!
    Salutar as conversas em família em torno das qualidades e defeitos de cada um. Apesar dos defeitos serem sempre ressaltados. No final de semana, conversávamos sobre "manias". Achei que eu fosse cheia delas, mas detectei entre as pessoas da minha convivência que sou uma pessoa sem manias. Será que isso é sintomático?
    :)
    Boa semana!!
    Beijus,

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  14. Oi Calu,
    Que delícia de leitura !

    Também pude dar boas risadas aqui, passei a me recordar de um monte de coisas que parecem não se desgrudar de mim, umas que combato outras que até gosto na minha herança genética.Que coisa boa, sentir também
    nos filhos os nossos traços, jeitos, manias etc. E por aí vai essa maravilhosa árvore com seus galhos, florindo, ensinando, exemplificando, e sendo nosso abrigo. Amei. Parabéns.

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  15. Muito engraçado este encontro das "Marias das dores" rsrs.
    Mas é fatal esta coisa de sermos os mesmos como foram nossos pais, quando nos surpreendemos fazendo as mesmas coisas e ou lembrando com saudades deles.
    Gostei Calu.
    Meu terno abraço.

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Teu comentário é o fractal que faltava neste mosaico.
Obrigada por tua presença querida!