sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vozes Emudecidas









Enquanto eu ouvia abismada a conversa ente minha sogra e a irmã, à mesa do almoço naquele mês de janeiro de 74,aqui no Rio, elas continuavam suas recordações da infância e juventude passadas no casarão do bairro dos Tucuns, em Parnaíba,Piauí.O assunto girava em torno da figura duma das ajudantes da casa que, sabidamente sofria de violência doméstica.As irmãs comentavam sobre as preocupações da mãe delas frente ao sofrimento da mulher naqueles idos de 1920, e seus esforços em protegê-la oferecendo morada e abrigo pra ela e os filhos, ao que a vítima ponderava: 
 ___ "Carece, não, dona Nena.Ele só me rela a mão quando bebe.Fora isso é home bom."

Que esta cena fosse corriqueira naqueles tempos eu até podia culpar o contexto árido e a mentalidade machista que imperava absoluta, embora nada disso se justifique seja em que tempo for, mas que ainda hoje,fatos como este e piores façam parte da cotidianidade extrapola o limite do humano.Não que eu esteja comparando estas atitudes ignóbeis a algum representante do reino animal, porque seria uma ofensa sem par à natureza animal.

Como ela, centenas de outras mulheres, ao longo de séculos, emudecem, submetem-se amedrontadas por uma infinidade de motivos que as levam a um absurdo sacrifício de sua integridade física e moral.Começam a surgir importantes medidas/leis contra esta aberração em alguns estados brasileiros e as estatísticas mostram que o Piauí é o estado com menos ocorrências.Minha sogra, se fosse viva, comemoraria a notícia.Segundo uma reportagem, o trabalho educacional e conscientizador das equipes sociais indo até a população em trabalho de campo permanente é a raiz deste números animadores.Educação comprometida sempre e cada vez mais é o caminho, mesmo não garantindo sucesso absoluto, pois, em se tratando de seres humanos, não há uma certeza acabada. 

A lei Maria da Penha,o botão do pânico, no ES, são algumas das já implantadas e com bons resultados,porém muitas mais são necessárias e urgentes.É profundamente lamentável que ainda hoje precisemos criar mecanismos de proteção para crianças/adolescentes e mulheres que se vêem ameaçadas em suas integridades, em seu direito à vida. 


*****

Lágrimas silenciosas
descem pelas faces
sulcadas por gestos
agressores, avilte
lacerando a carne,
sangram a alma
curvam o corpo
ao rés do chão;
suplicante, decaído,
indefeso ante 
o brutal, chora
sua dor, sua desdita
ignomínia maldita,
vergonha da espécie,
lodo abissal. 


(Calu)


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Imagem:bjwos22

12 comentários:

  1. Realmente Calu é incrível isso. Ouvir frases como aquelas ouvidas :

    "Carece, não, dona Nena.Ele só me rela a mão quando bebe.Fora isso é home bom."

    Triste demais. Pior ainda é saber que tantos e tantos anos passados, presenciei isso no escritório onde chegavam mulheres com a mesma mentalidade. Tinham medo, MEDO de seguir adiante...

    Pena. As coisas mudara, vieram leis de proteção mas falta MUITO,MUIIIIIIIIIIIIIIIIIITO ainda!

    Linda poesia, refletindo esse sentir! beijos,ótimo fds! chica

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  2. Muito bem lembrado este tema por aqui, Caluzinha!
    Graças a Deus e a esta lei, a mulher não pode ser violentada nos seus direitos, de mulher, de esposa, de mãe e de trabalhadora. O seu trabalho deve ser merecedor do mesmo respeito que o do homem. E se ela se vir humilhada e insultada, deve recorrer de imediato a uma delegacia da sua localidade de residência, para que possam defendê-la nos seus direitos humanos.
    Sua linda poesia, fecha com louvor este texto tão importante. adorei!
    beijos cariocas


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  3. Olá Calu!
    É muito triste... mas infelizmente algumas MULHERES foram criadas em padrões machistas e tem medo de se rebelar.
    E nem precisamos voltar muito tempo... sempre vemos alguma vizinha endeuzando o marido.

    Abração
    Jan

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  4. Eita Calu, que texto bom de se ler porque representa toda impunidade (ainda)cometida desvairadamente contra as mulheres.
    Creio que hoje ainda há mulheres que têm medo de revelar esses imbecis covardes que usam da força física para espancar suas companheiras.
    Cretinos pobres de espíritos.

    Ahhh e essa poesia no final hein? Linda e tristemente verdadeira.

    você é fera com o bico da pena, Calu!
    beijos querida e bom fim de semana

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  5. Parabéns pelo tema levantado Calu, pode parecer moderno , mas muito antigo, na verdade não se agride a mulher apenas com atitudes agressivas na maioria das vezes a agressão moral tortura muito mais. Conheço mulheres reféns do marido porque não trabalham e não teem possibilidade de sair da "prisão" que um dia lhes pareceu confortável . É uma pena, mas ainda estamos na idade da pedra, mesmo com a Lei Maria da Penha. Bom feriado.

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  6. Calu, muito bom revê-la no Vida & Plenitude...
    Realmente, é triste e lamentável, mas é tempo de MUDAR E VIVER UMA VIDA MAIS COERENTE E DIGNA!!
    Sua poesia é linda e reveladora!!!

    Um Bom Sábado... Beijos

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  7. Olá Calu,
    E pensar, que mesmo nos dias de hoje existem algumas mulheres que não exigem seus direitos. Que suportam absurdos com medo de alguma represália.
    É um absurdo ter que criar leis para defender as crianças e mulheres. O respeito deveria existir independente de qualquer coisa, mas...
    Bons fluidos

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  8. Oi, Calu. A questão é que ainda há um problema cultural a ser resolvido, de mulheres que se submetem ou porque foram educadas para se submeter, ou por mulheres que preferem o comodismo de serem sustentadas pelos maridos mesmo sofrendo violências. Lamentável...um abraço!

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  9. Olá!Boa tarde
    Calu
    sim, infelizmente, fatos como este , relatado em seu início, e piores, ainda fazem parte da cotidianidade . E por vezes, a violência permanece oculta por
    longo tempo, protegido por uma “conspiração de silêncio” e pela incapacidade da própria vítima em admitir e revelar sua existência. Para elas impõe-se o medo, a
    ameaça, a sedução, ou o simples temor reverencial,sujeição e opressão econômica,
    A lei Maria da Penha, felizmente, já foi implantada e com bons resultados,porém , concordo, muitas mais são necessárias e urgente, e também, que por ignorância,
    desconhecimento ou despreparo, medidas burocráticas que buscam “provas” da
    violência não se tornem o principal objetivo. Embora essas ações sejam de
    inegável importância, a proteção à saúde de quem sofre violência é um bem
    ainda maior a ser preservado. Essa inversão, desumana, constrangedora e ineficiente,re-vitimiza a mulher.Além da eterna "briga" entre o Direito Privado e o Público.
    E ,finalizando, a paridade entre os sexos é um objetivo que tende a ser alcançado logo, apesar de todas as dificuldades enfrentadas por uma sociedade que ainda tende a seguir alguns resquícios essencialmente patriarcais.
    Poesia linda.
    ufa, ainda bem que gostou da divulgação.Obrigado pelo carinho
    Agradeço de coração!
    Belo início de semana
    Beijos

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  10. Calu

    Versos finais. Uma preciosidade que completou o seu lindo e oportuno texto.
    Com a Lei Maria da Penha não creio (salvo engano,pois já aposentei do Tribunal) que os casos de vilolência tenha diminuído.
    Muitas vítimas em geral mulheres não denunciam seus agressores por medo.
    Se o faziam instaurando o Boletim de Ocorrência,logo compareciam ao ƒórum para retirar as queixas antes que os algozes fossem denunciados. Era notório que muitas circunstâncias a obrigavam a se retratar: dependêcia psicológica, financeira e outros. Diante da retirada da queixa, não restava outra alternativa , o arquivamento.
    Linda poesia que li e reli de tanto encanto.
    Bjs.

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  11. Calu,infelizmente ainda é uma realidade em nosso país essa atitude machista.E muitas mulheres ainda tem pena dos maridos e não levam adiante a ocorrencia.Eu adorei seu enfoque e a poesia ficou emocionante!bjs e boa semana,

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  12. Calu, é intrigante quando percebemos oprimido justificando o opressor, afirmando até que tal pessoa é boa! O "relar" a mão certamente tratava-se de espancamento. E junto a isto, não é apenas o dano físico, mas psicológico que, por mais que pessoa tente viver em negação, creio eu ser impossível de não afetar e deixar traumas insuperáveis na alma.
    A Lei Maria da Penha felizmente existe, no entanto, não creio que Dona Nena estivesse tão feliz atualmente onde há ainda tantas leis dominando (e outras em vista para dominar cada vez mais) os direitos das mulheres, inclusive na saúde.
    Li que há uma lei (não recordo o nome e não creio que já tenha sido aprovada) que não quer mais dar socorro a vítimas de estupro, ao uso da pílula do dia seguinte, para depois "puni-las" com uma gravidez indesejada. E o que vemos? Os defensores "pró vida" (que para mim são "pró morte") só cagando regras, mas duvido que algum vá querer prestar ajuda no sustento destas pessoas, algumas inclusive, crianças.
    Há ainda muitas mulheres vítimas da violência de "homens bons quando não bebem" quer seja por falta de informação, quer seja por depender financeiramente dos seus cônjuges. Mulheres que veem-se meio sem escolha, pois anularam-se, abriram mão de estudar, ter uma profissão, para dedicar-se a família e o mercado de trabalho não tá fácil nem para quem está começando, quanto mais para elas. E as mesmas tem consciência disto, ao contrário do que se imagina, ocorre e muito também em classe média e alta este tipo infeliz de incidência.

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