( Ed Fairburn)
Uma das inovações que mais curti em meu tempo de estudante foi a estratégia dum professor de geografia ao iniciar o estudo de mapas.Toda a turma esperava que fosse mais uma chatice das habituais onde ele apontaria os detalhes no mapa pendurado na parede e nos fizesse acompanhar a ponta da régua indicativa numa ladainha sobre o lugar, o relevo e coisas e tais.Para a surpresa da turma do 2º ginasial, ele nos mandou arrastar as carteiras pro fundo da sala, colocarmos nossas cadeiras em círculo alongado por todo o espaço central, para então estender o mapa no chão, bem no centro do círculo que se formou.Sentado no chão ao lado do mapa nos conduzia pelos desenhos e detalhes de cada recanto em foco, explorando a visão que acada aluno ia descobrindo, pontuando as distâncias, os contornos e o olhar que a cada um correspondia um mesmo ponto.O que era visto, como era visto, se a visão correspondia à realidade do que estava sendo visto...Nem preciso dizer que a participação foi unânime e interessada.
Nos sentíamos como fotógrafos aviadores sobrevoando os espaços geográficos e deles recebendo uma infinidade de informações que precisavam ser analisadas, discutidas, debatidas e conferidas com esmerado compromisso.Essas aulas eram altamente proveitosas e depois disso nunca mais eu olhei um mapa do mesmo jeito alienado de antes,distante e linear.Passei a ter dali em diante um olhar tão admirador pela cartografia que considero uma das manifestações artísticas de vulto e importância irrefutável e, mesmo adulta continuo nutrindo essa reverência por esta arte.Costumo folhear, de quando em vez, os livros que a retratam.Sou tão fã desta arte que quase me perdi do grupo turístico dentro do museu do Vaticano ao chegarmos nos salões dos mapas.Fiquei sem fôlego, respirando devagar com receio de perder os ricos detalhes das peças cartográficas em tapeçaria; creio ter visto Marco Pólo numa caravela(rs).
Os mapas cumprem funções para além das direções, relevos e funções geográficas.São telas reveladoras dos espaços e das gentes que neles viveram ou ainda vivem.São charadas refinadas, provocando devaneios e viagens imaginárias e também possíveis.Ao olhar-se um mapa em postura igual a ensinada pelo meu professor, numa visão quase aérea, podemos descobrir muito mais do que seria revelado pela visão frontal e linear costumeira.Experimentem fazer isso e verão pontos antes invisíveis para o mesmo olhar: o nosso.
Imaginem se fizéssemos tal experiência com um mapa pessoal, não, não é mapa astral, é visual mesmo.Pudéssemos nós sobrevoarmos nosso corpo e estudá-lo como num mapa, detalhá-lo em minúcias e melhor ainda, termos legendas para cada sentimento que se alternariam nas mais variadas cores, nos revelando, nos traduzindo e nos levando a cada dia de estudo a um aprimoramento positivo, a uma tradução mais pura e clara; o autoconhecimento ao vivo e a cores.Poderia esclarecer muitas dúvidas, facilitar muitas questões, favorecer e abrir possibilidades viáveis e reais.Seria um passeio por nosso mundo interior.Tentadora essa idéia, não?
O artista ilustrador, Ed Fairburn, apaixonado por mapas, como eu, criou um série encantadora usando tinta e lápis com sombra para criar rostos femininos expressivos em grande escala sobre mapas de rodovias, ferrovias e rios.O resultado é interessantíssimo e inovador.
" ... O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição."
( Clarice Lispector)
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Imagens: artefacto/artes