Mesmo com os dedos das duas mãos esticadinhos até o chão, joelhos flexionados, alternância de lados, a turma do Pilates não fica de boca fechada.A gente desata a falar desde o primeiro bom-dia e sai esticando conversa sobre tudo.Troca receitas, reclama dos fatos, indica leituras, filmes, opina, comenta,e tudo entre uma e outra puxada de mola.Foi assim que na aula passada minha jovem colega integrante dum grupo de teatro local comenta que estão precisando duma mulher madura para um papel específico na peça que estão ensaiando e ato contínuo, me convida para o tal papel."Eu? Pergunto de boca e olhos arregalados"."Sim, diz ela." "Você tem desenvoltura, fala com clareza, porque, não?" Explico que a esmagadora maioria das professoras possui estas mesmas características e que há muitas outras bem mais capacitadas para a função do que eu. Ela não se dá por convencida e diz que vai aguardar um tempo pra minha resposta.
Imaginem, eu atuando numa peça teatral.Virge! Seria um rebuliço aqui em casa(rsrs).As poucas vezes que subi num palco foram todas nas festas dos colégios nos quais trabalhei e isso acontecia na condução das festividades ou nas encenações tímidas de pecinhas para os alunos em comemoração à semana da Criança.Todos os anos os preparativos para esta semana já começavam em finais de setembro e toda equipe de professores se envolvia no projeto e nas atividades para cada dia de comemoração, reservando o dia 11/10 para uma encenação teatral baseada numa historinha previamente adaptada por uma colega roteirista amadora encarregada da tarefa todos os anos e, assim nós professores fazíamos os cenários, as caracterizações e decorávamos as falas; haja disposição, mas no fim dava certo, ou quase.
Numa dessas, eu descobri o que era terror de palco.Não por mim, mas por uma colega.Toda a estratégia das preparações seguia como previsto, quando em um dos ensaios ela nos falou que não gostava de falar em público, então, nossa roteirista lhe deu um papel duma única fala, ela seria a rainha do mar ( porque tinha cabelos longos) e adentraria o palco sentada num skate vestida com um rabão de sereia feito em celofane brilhante e diria:
__ Acalmem-se ondas do mar, deixem as casinhas ao seu destino chegar!
Tudo certo nos ensaios.Chegou o dia.Corridas pra lá e pra cá.Fantasias, pinturas, cenário nos trinques.Criançada arrumadinha no auditório e nós só esperando as cortinas abrirem-se.Sinal dado,sinal cumprido. Rola a peça.Gira daqui, canta dali, espera a deixa, fala trocada, segue, segue... bem na hora a contra-regra ( funcionária), empurra o skate com a rainha do mar.Desliza ela do canto para o centro do palco.Pára.Silêncio. De frente para o "público" ela está imóvel.Um minuto, dois, quase cinco e nada.Ela está congelada.Não move um músculo.Não faz um som.A criançada começa a se agitar.Rapidamente, nós as quatro casinhas viajantes, vestidas em caixas de geladeira "customizadas", nos aproximamos da colega e vamos dizendo a sua fala e a retirando pelo outro lado do palco.Segue, segue... e a peça retoma seu ritmo e chega ao final debaixo dos aplausos entusiasmados e inocentes da nossa seleta platéia.
Volta ao camarim improvisado, tira tudo rapidamente, as turmas estão esperando pra festinha na sala com bolo e guloseimas. Corre gente; é aí que a "rainha do mar", vira pra nós e diz:
___Acalmem-se ondas do mar, deixem as casinhas ao seu destino chegar!(rsrs)
Já pensaram se isso acontece comigo diante duma platéia de exigentes estranhos? Será o fiasco do ano. Melhor não, né?
FIM
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Imagem: Playhouse Theatre